18 mai, 2019
Lançar para o espaço público notícias falsas (“fake news”) é hoje um problema que, com razão, preocupa muita gente. Mas não se pode considerar que este seja um problema novo.
Claro que a internet e as redes sociais proporcionam às “fake news” um grau de divulgação jamais visto no passado – milhões de pessoas podem ser enganadas por essas falsidades numa questão de segundos.
Mas comecemos pelo passado. O boato era uma arma insidiosa em comunidades pequenas. Lançado com propósitos de prejudicar a imagem pública de uma pessoa, frequentemente atingia esse objetivo. Ainda agora o boato é utilizado, designadamente como arma política.
Há dois séculos não existia internet, nem rádio, nem televisão, nem telefones. O meio de comunicação usado na política dessa época eram os jornais. Por isso quem queria afirmar-se na política procurava prioritariamente publicar um jornal ou, pelo menos, conseguir inserir regularmente notícias e textos de opinião num ou mais jornais.
No séc. XIX havia dezenas de jornais em Lisboa e no Porto. Tinham poucas páginas e uma circulação modesta. Mas não era preciso mais: só uma pequena minoria ilustrada lia então jornais – a grande maioria era simplesmente analfabeta. Esses jornais serviam, frequentemente, para lançar acusações e suspeições sobre o carácter de adversários políticos. Muitas vezes eram puras mentiras.
Esse modo pouco limpo de fazer política não acontecia apenas em Portugal. Longe disso. Nas primeiras décadas da jovem nação americana, os Estados Unidos, multiplicaram-se as falsidades publicadas em jornais, apesar do prestígio dos “pais fundadores”. Nem Washington escapou a essa praga, apesar de ser o primeiro presidente dos EUA e, antes disso, líder militar do exército que conquistou a independência contra os britânicos.
Mais tarde ficou célebre a interferência militar americana na guerra de independência de Cuba, contra a colonização espanhola, no fim do séc. XIX. Essa intervenção foi repetidamente exigida em jornais sensacionalistas americanos através de notícias nem sempre fiáveis. Magnatas da imprensa como William Hearst, proprietário de dezenas de jornais, precisavam de uma guerra para venderem mais papel. W. Hearst foi genialmente retratado por Orson Welles no seu filme de 1941 “Citizen Kane”.
Russos muito ativos
Na semana passada o FBI informou que “hackers” russos conseguiram aceder a uma base de dados na Florida, antes das eleições presidenciais americanas de 2016. Aliás, o relatório do procurador especial Robert Mueller sobre a interferência russa naquela eleição, favorecendo Trump, refere que “hackers” tinham entrado na rede informática da Florida.
Estará o governo autocrático de Putin na origem das ações russas de desinformação? Não sabemos ao certo. Mas seria estranho que tais operações não tenham, pelo menos, a simpatia de Putin, que não consta haver alguma vez mandado investigar e muito menos prender os autores das “fake news”.
O “New York Times” (NYT) de domingo passado denunciou um grupo de “sites” na internet que difundia falsas informações sobre o funcionamento da UE e da NATO. O jornal detetou grupúsculos políticos italianos e alemães que, através de servidores russos, promoviam a difusão de “fake news” favoráveis à extrema-direita.
Alguns grupos da direita radical, segundo o NYT, utilizam técnicas sofisticadas para fazer passar as suas mensagens de modo não explícito, em conteúdos sobre moda e desporto. Aquelas mensagens disfarçadas são de teor anti-semita, anti-imigração e populista.
Segundo a SafeGuard Cyber, uma agência de cíber-segurança, em cada dois eleitores europeus um está exposto a informações falsas e a publicações que promovem o extremismo político. A mesma fonte referiu existirem 6 700 contas duvidosas na net, que publicam e reproduzem sem cessar “fake news”. Estas são escolhidas em função dos alvos: por exemplo, as difundidas na Alemanha insistem na “invasão de imigrantes”, nas dirigidas ao Reino Unido o objetivo é acentuar as divisões nesse país sobre o Brexit, etc.
Por cá, o “Diário de Notícias” deu conta da existência de uma série de perfis falsos, no Twitter e no Facebook, que teriam como alvos adversários político-partidários.
Esforços do Facebook
O Facebook tem na sua sede europeia, em Dublin, cerca de quarenta técnicos cuja missão é detetar e eventualmente encerrar páginas que canalizem notícias falsas. E cerca 30 mil funcionários do Facebook vigiam em permanência conteúdos, procurando evitar textos extremistas, de incentivo ao ódio. A propósito, comenta o NYT que é difícil essa tarefa, uma vez que, numerosas vezes, não se trata de notícias totalmente falsas, mas do exagero de factos que aconteceram. São “fake news” sofisticadas.
Porventura ainda mais preocupante é que a difusão de “fake news” se tornou um negócio, desde há vários anos. Usando o inglês como língua universal, pequenos grupos de jovens e alguns menos jovens, produzem regularmente nos mais variados lugares do mundo textos falsos, no todo ou em parte, que vendem a políticos que operam na sombra.
É com certeza lamentável e perigoso o investimento político em campanhas de desinformação encomendadas ou já prontas. Mas, infelizmente, ainda não se encontraram antídotos eficazes para esta chaga da internet.
Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus