23 mar, 2020 • Francisco Sarsfield Cabral
Já se tornou claro que a pandemia do coronavírus, para além das mortes e dos sofrimentos que provoca agora, irá desembocar numa brutal recessão económica. Uma queda da economia superior à induzida pela crise financeira global iniciada nos EUA em 2008.
O Governo português anunciou as primeiras medidas para atenuar, tanto quanto possível, essa recessão, com apoios a empresas e a famílias. O imperativo é evitar o colapso de milhares de empresas e travar o desemprego assustador que daí resultaria. Não interessa discutir se essas medidas deveriam ter sido tomadas mais cedo; pode-se apontar-lhes falhas e insuficiências, mas haverá oportunidade para retificar e completar o que falta.
Desta vez, felizmente, desapareceram temporariamente os travões aos gastos públicos impostos pelas regras do euro. Mas temos um obstáculo que não podemos ignorar: a nossa muito alta dívida pública (120% do PIB). Para combater a recessão trazida pelo vírus teremos de aumentar essa dívida, pedindo mais dinheiro emprestado. A pergunta é: a que preço, ou seja, pagando que nível de juros?
Os juros da dívida pública portuguesa continuam baixos – mas bem menos baixos do que estavam há três semanas. Daí o risco de os mercados perderem a confiança em Portugal, confiança que foi reconquistada nos últimos anos. Se tal acontecer, os custos dos empréstimos subirão para níveis incomportáveis.
Boa parte dessa confiança internacional na capacidade portuguesa de honrar compromissos de crédito é associada ao ministro Centeno, o “Ronaldo das finanças”. Justificam-se os apelos a que ele não saia do Governo no corrente ano, pelo menos.
No ministério das Finanças Mário Centeno poderá contribuir para que o crédito externo que nos vier a ser concedido não seja proibitivamente caro. Mas não evitará que necessitemos de apoios da UE. Não algo parecido com a vinda da “troika” em 2011 e a austeridade que ela impôs. Mas uma ajuda verdadeira, que aliás o presidente do Eurogrupo já prometeu.
O enorme programa alemão de combate à recessão, equivalendo a cerca de 10% do PIB germânico, é para apoiar alemães, claro; mas, indiretamente, ajudará alguma coisa as exportações e o turismo estrangeiro de Portugal. Será, no entanto, necessária uma resposta forte e unida da UE.
Para abrirem os cordões à bolsa, os responsáveis alemães ultrapassaram ideias fixas de há longos anos, como o imperativo de nunca terem défice nas contas públicas. Os “falcões” alemães, como o governador do Bundesbank, Weidmann, dizem agora: bem fizemos em termos sido ultra prudentes nas finanças públicas, apesar das críticas estrangeiras; é que isso permite-nos, hoje, gastar muito dinheiro numa crise excepcional.
Quer isto dizer que a Alemanha, que foi muito atingida pela pandemia, considera a situação atual como de catástrofe, logo requerendo medidas de emergência, fora das regras tradicionais. Será que esta atitude se vai fazer sentir, também, na cooperação com os outros países da UE?
Há uma esperança de que a oposição alemã a qualquer mutualização da dívida – as vírus “bonds” ou coisa parecida - possa atenuar-se perante a gravidade da recessão europeia e mundial que aí vem. Oposição que tem partido não só do governo alemão, mas, também, do Bundestag (parlamento federal) e do tribunal constitucional germânico.
Não é exagero dizer que ausência de uma séria resposta europeia à presente emergência abalará a UE de maneira porventura fatal para a sua sobrevivência.
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Coronavírus na Europa