23 jun, 2020
O racismo, a escravatura e outros dramas da colonização portuguesa têm sido debatidos recentemente em Portugal. Em parte, seguindo a reação mundial ao trágico assassinato de um negro desarmado e algemado pela polícia de Minneapolis. Mas já antes deste sinistro caso se discutia entre nós o racismo, antigo e atual, dos portugueses. Ainda bem.
Do que em Portugal se fala pouco é do que se passa agora nos países africanos de língua portuguesa. Houve algumas notícias sobre a crise política interminável na Guiné-Bissau – que ameaça tornar-se um Estado falhado. De Angola falou-se quando estavam em causa problemas de corrupção que envolviam o nosso país. Mas fala-se pouco na situação muito preocupante que se vive a Norte de Moçambique.
O bispo brasileiro de Pemba, D. Luiz Lisboa, lembrou que, desde o final de 2017, se multiplicam ali ataques mortíferos por radicais islâmicos. Atualmente o grupo terrorista lança mais de 20 ataques por mês. A insurgência abrange nove grandes cidades e municípios ao longo da costa de Cabo Delgado.
No total, os ataques em Cabo Delgado, província moçambicana onde avança o maior investimento privado de África para exploração de petróleo e gás natural, já causaram pelo menos 600 mortos e muitos milhares de refugiados. E as empresas que fazem ali prospeção petrolífera parece nada terem a ver com os ataques bárbaros que atinge a população daquela área.
O Instituto Tony Blair defende que os ataques destes grupos devem ser enfrentados a curto prazo por uma força militar regional, para evitar que a situação fique fora de controlo. E o MNE britânico manifesta abertura para apoiar o país Moçambique.
O MNE português, A. Santos Silva, disse que Portugal está disponível para a construção de uma solução internacional que permita a Moçambique lidar melhor com os ataques terroristas no norte do país.
A expressão “lidar melhor” tem porventura a ver com o facto de as tropas de Moçambique, além de insuficientes, serem muitas vezes agressivas para com os residentes na zona afetada pela violência dos radicais islâmicos.
A comunidade islâmica daquele país, que é pacífica, rejeita que se trate de “jiahdistas”. Mas não restam muitas dúvidas de que estamos perante uma tentativa para implantar no norte de Moçambique uma espécie de “Estado islâmico”. E que a violência, por vezes bárbara, que ali se regista nada terá a ver com as companhias que pesquisam petróleo e gás nessa região.
Voltando à minha interrogação inicial: porque se fala tão pouco entre nós deste caso gravíssimo? Na minha opinião, a sociedade portuguesa nunca se interessou muito pelas colónias. Na sequência do ultimato britânico de 1891 houve entre os políticos e intelectuais portugueses – um círculo muito restrito - uma aposta em África, na qual se destacavam os republicanos.
O facto, porém, é que escassos emigrantes portugueses se encaminharam para as colónias, comparando com os milhares que se deslocavam para o Brasil, EUA, Venezuela, África do Sul (onde vigorava o “apartheid”), etc.
Por isso, creio eu, a descolonização, que correu mal para os descolonizados (guerras civis, por exemplo), não provocou na sociedade portuguesa o grande trauma que muitos previam. Passou-nos ao lado.