13 nov, 2020
O caso da formação do próximo governo regional dos Açores suscita reações curiosas. O PS, que há 24 anos dominava a cena política açoriana, ficou em primeiro lugar nas eleições, mas não conseguiu uma maioria no parlamento regional. Avançou então o PSD, coligado com o CDS e a Iniciativa Liberal; como nem mesmo assim tinha a maioria naquela assembleia, aceitou o apoio parlamentar do Chega.
O primeiro-ministro António Costa considerou que o PSD tinha ultrapassado uma “linha vermelha” com esse apoio parlamentar do Chega. Perguntaram-lhe se ele próprio, A. Costa, não havia feito o mesmo em 2015, ao tornar-se primeiro-ministro sem ter ganho as eleições, mas obtendo o apoio na Assembleia da República do PCP e do Bloco de Esquerda (BE).
Não, respondeu Costa, isso é completamente diferente. Será, então, normal que o PS de Mário Soares, que combateu energicamente a ditadura de esquerda que os comunistas e a extrema-esquerda nos queriam impor em 1975, seja apoiado por estas forças políticas? Não, não é normal.
Dir-se-á que, entretanto, ocorreu o colapso do comunismo soviético. Muitos partidos comunistas foram reduzidos à insignificância na Europa – mas o nosso PCP, embora em processo de enfraquecimento, continua a olhar com saudade a falecida União Soviética. E não foi só o tirano Estaline que ali promoveu genocídios e outros crimes contra a humanidade. Trotsky, um dos patronos do BE, assim como Mao na China, não foram propriamente exemplos de democracia.
Mas PCP e BE são “de esquerda”. Por isso não há linhas vermelhas em relação a eles. Dois pesos, duas medidas.
Dito isto, desagrada-me o entendimento entre o PSD e o Chega sobre o governo regional dos Açores. Claro que as reivindicações do Chega para apoiar esse governo não são “fascistas”, como alega Rio. Aliás, a ideologia do Chega é altamente variável e depende das conveniências momentâneas de André Ventura, um demagogo, o que aconselharia mais prudência da parte de Rui Rio. Abre-se assim um caminho que deveria estar fechado. Volto a recordar, aqui, a posição do líder do PP espanhol, Pablo Casado, que, sendo da direita democrática, se desmarcou energicamente do Vox, de extrema-direita.
Daí que no PSD e no CDS muita gente tenha ficado preocupada. Num texto curto, claro e incisivo, que surgiu no “Público” de terça-feira, é explicado esse incómodo. Sob o título “A clareza que defendemos” o texto é subscrito por pessoas da área do PSD e do CDS e também por personalidades não ligadas a esses partidos, como, por exemplo, Francisco José Viegas, Miguel Esteves Cardoso ou Pedro Mexia. Ali se lê que “é preciso deixar bem claro que as direitas democráticas não têm terreno comum com iliberalismos”. Será este imperativo difícil de entender?