Siga-nos no Whatsapp
Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
A+ / A-

O futuro político de Trump

04 dez, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O presidente derrotado quer continuar na política. É por isso que diariamente alimenta a mentira de ter perdido apenas por fraude. Roubaram-lhe a eleição... Mas continuar ou até agravar-se o bloqueio de uma América politicamente dividida vai depender sobretudo do partido republicano. Irá este partido submeter-se ao autoritarismo de Trump, que não possui qualquer ideologia clara nem apresenta um mero programa?

Donald Trump deu sinais de que se irá recandidatar à presidência dos EUA em 2024. É bem possível que o faça, inclusivamente anunciando essa candidatura a 20 de janeiro; ou seja, no dia em que J. Biden toma posse - à qual Trump provavelmente não assistirá, violando uma tradição americana, para acirrar a oposição ao novo presidente.

Só assim se compreende que Trump insista em que a eleição lhe foi “roubada”, quando até o seu ministro da Justiça e seu grande apoiante (que nos EUA é também Procurador Geral), W. Barr, reconhece não ter havido fraude. Aliás, quase todos os dias surgem declarações nesse sentido de juízes e responsáveis pelo processo eleitoral. Mas Trump precisa de manter entre os seus apoiantes um clima de raiva contra a pretensa fraude nas eleições, como factor de mobilização e de combate à nova administração. Para já, mais de metade dos apoiantes de Trump acredita no que o presidente cessante proclama sem cessar, o que é preocupante. Mas a história não favorece Trump: até hoje só um presidente americano regressou à Casa Branca, após ter perdido as eleições no fim do seu primeiro mandato. Foi Grover Cleveland, que 4 anos depois da sua derrota em 1889, quando era presidente, conseguiu ser eleito para um segundo mandato em 1893.

Foi muitas vezes dito que o sucesso eleitoral de Trump, há quatro anos, era uma reação dos que ficaram para trás no crescimento económico americano. Talvez, mas, face às crescentes desigualdades de rendimentos, Trump nada de significativo fez; pelo contrário, baixou os impostos para os ricos e para as empresas; e a guerra comercial com a China, que ele promoveu, apenas beneficiou um número limitado de trabalhadores e prejudicou porventura muitos mais - mas foi aplaudida por numerosos empresários.

Trump recolheu mais votos agora do que em 2016, embora perdendo. E o confronto Trump-Biden levou mais americanos a votarem do que é habitual, o que foi bom para a democracia. Péssimo para democracia americana é a não aceitação da derrota por parte de Trump e a fidelização dos seus apoiantes, incluindo grupos armados ilegais, com base numa mentira óbvia.

A profunda divisão política entre os americanos é o grande trunfo com o qual joga Trump. Mas essa situação não começou com ele, que apenas (se assim se pode dizer) a leva a extremos até há pouco impensáveis. A primeira eleição de Obama, em 2008, suscitou enormes expectativas; mas muitas delas não foram concretizadas, como diminuir a discriminação racial. Por outro lado, ter, pela primeira vez, um presidente mestiço na Casa Branca assustou muitos americanos brancos, que receiam a – lenta – ascensão económica e social dos negros. E o racismo também funcionou contra Obama.

Obama reconhece, hoje, que na Casa Branca poderia ter sido menos prudente e mais decidido. Por exemplo, Obama avisou solenemente Bashar al Assad, o tirano da Síria, que não poderia utilizar armas químicas, mas este usou-as mesmo contra o seu povo, sem qualquer reação de Washington.

A emergência, desde há uns anos, de autocratas no mundo – entre os quis se contam Trump, Putin, Erdogan, Modi, Bolsonaro, Xi Jinping, etc. – tem a ver com uma certa desvalorização do valor da liberdade em favor da segurança (os atentados de 11 de Setembro de 2001 nos EUA contribuíram para tal); e uma sobrevalorização da capacidade de decisão e de realizar coisas, que os ditadores ou perto disso possuem porque não têm que vencer obstáculos democráticos. Joe Biden estará certamente consciente disto, pois a sua imagem e a sua idade não transmitem a ideia de que ele será um presidente ousado, embora sensato. Pelo menos, os membros da sua equipa que já se conhecem são nomes fortes, que no passado mostraram não se assustarem com os obstáculos.

Mas continuar ou até agravar-se o bloqueio de uma América politicamente dividida vai depender sobretudo do partido republicano. Irá submeter-se ao autoritarismo de Trump, que não possui qualquer ideologia clara nem apresenta um mero programa? Trump é racista, isolacionista, protecionista no comércio internacional, etc., mas nada disso tem uma base racional. O partido republicano, que era o partido de Abraham Lincoln, tinha ideias bem diferentes. Os dirigentes republicanos irão deitar ao lixo essa herança para evitarem críticas de Trump nas suas batalhas eleitorais?

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Ivo Pestana
    05 dez, 2020 Funchal 12:11
    Trump não é político, pensa que está num reality show. Para ele é um jogo e o perder não existe.