16 dez, 2020
A incerteza quanto ao Brexit está a acumular camiões no acesso à Grã-Bretanha a partir de Calais. Há camionistas portugueses que se queixam de demorarem mais de 14 horas a atravessar o túnel. Tudo começou com o resultado de um referendo em junho de 2016, que muitos defensores britânicos da saída da UE não esperavam ganhar. Promoveram uma propaganda enganosa quanto aos benefícios que o seu país teria, uma vez fora da UE. Mas, tendo ganho o referendo, os partidários do Brexit não se deram ao trabalho de preparar uma negociação séria para delinearem com a UE um acordo de saída.
Assim, o primeiro-ministro Boris Johnson adiantou datas inverosímeis para a conclusão das negociações – junho deste ano, por exemplo. Há dias, o líder dos negociadores da UE, Michel Barnier, lembrava que nenhum acordo comercial firmado pela UE com outros países levara menos de cinco anos a concluir.
Por outro lado, em negociações comerciais desta importância é indispensável que as duas partes tenham confiança recíproca. Ora, quando primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May (que até tinha votado contra a saída da UE) fez questão em chegar a acordo rapidamente com a UE, mas foi sucessivamente torpedeada pela ala mais radical anti-UE do seu partido. Os conservadores, na Câmara dos Comuns, chumbaram vários projetos de acordo negociados por T. May.
Em julho de 2019 T. May afastou-se da liderança do governo britânico, sendo substituída por Boris Johnson, um ardente “brexiter”. Meses depois, o novo primeiro-ministro conseguiu um entendimento com a UE sobre um acordo de saída – mas em setembro passado apresentou no parlamento um projeto de lei que lhe daria a capacidade de tomar decisões unilaterais, contradizendo parte importante daquele acordo. O que, como ministros britânicos admitiram na Câmara dos Comuns, violava o direito internacional e lançava sobre B. Johnson o odioso de não ter cumprido um acordo internacional.
Agora, em nova reviravolta, Boris Johnson prometeu regressar ao que havia antes aprovado – manter o Ulster (Irlanda do Norte) temporariamente no mercado único europeu, continuando aberta a fronteira com a República da Irlanda. É óbvio que estes zig-zags não geram nos negociadores da UE confiança no primeiro-ministro britânico.
Tanto mais quanto a grande bandeira de Boris J. sobre o Brexit é livrar-se imediatamente de quaisquer regras de Bruxelas, para “recuperar soberania”. Ora a Noruega, por exemplo, não faz parte da UE, mas tem acesso ao mercado único europeu, cujas regras cumpre. Por isso M. Barnier insiste que não faz sentido permitir a empresas britânicas que não cumpram, no mercado único, regras de concorrência, normas sobre direitos sociais, ambiente, ajudas de Estado, etc. Seria uma distorção da equidade competitiva.
Percebe-se que a UE não queira premiar o Reino Unido por ter abandonado a UE. Mas também não quer ser acusada de intransigência. Por isso alinha em sucessivos adiamentos da conclusão das negociações do Brexit. Até já se fala em prolongar negociações depois do final do corrente ano. O Brexit nasceu de ilusões e mentiras deliberadas dos seus promotores no Reino Unido; é difícil que as negociações sobre o acordo de saída acabem bem.
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