01 mar, 2021
A natural preocupação com a pandemia levou a que, entre nós, se tenha falado pouco do que se passa em Itália. No entanto, “a Itália é suficientemente grande para quebrar a Europa”, notava o semanário “The Economist”.
É que países como a Grécia ou Portugal também estão muito endividados, mas os parceiros europeus poderão resgatá-los, se for necessário – como já resgataram. Acrescenta o “Economist” que a economia italiana é demasiado grande para ser resgatada. Se tal acontecer, será o fim do euro e, provavelmente, da própria UE. Daí a enorme importância europeia da tentativa de Draghi, o novo primeiro-ministro italiano, para evitar a bancarrota do seu país.
Apesar da diferença na dimensão das economias portuguesa e italiana, há várias semelhanças. Aliás, entre as diferenças podem apontar-se mais duas: Portugal tem as fronteiras mais antigas da Europa e a Itália nasceu como país há menos de dois séculos. Em Portugal existe corrupção, como se sabe, mas nada que se assemelhe ao controle das várias mafias existentes no Sul de Itália, sobretudo em concursos públicos, fenómeno que se acentuou com a pandemia.
As semelhanças são o fraco ou quase nulo crescimento económico dos dois países nas últimas décadas, uma grande dívida pública, a perda de competitividade desde que o euro acabou com as desvalorizações cambiais, uma burocracia paralisante, uma justiça lenta e imprevisível, fortes desigualdades económicas (entre o que ganham homens e mulheres, nomeadamente), impostos excessivos, a emigração de jovens altamente qualificados e, acima de tudo, uma incapacidade para concretizar reformas.
Draghi é italiano, conhece bem os obstáculos que tem pela frente. Também sabe que, antes dele, houve em Itália vários governos “de salvação nacional”, dirigidos por independentes, que não alcançaram resultados brilhantes. Mas ele conseguiu, à partida, quase a totalidade do apoio partidário. Apenas um pequeno partido neofascista e hostil à UE, os Irmãos de Itália, ficou de fora do apoio ao governo chefiado por Draghi. E algumas pastas ministeriais importantes foram entregues a independentes, como as Finanças, a Transição Ecológica e os Assuntos Tecnológicos e Digitais.
É claro que uma boa parte desta quase unanimidade em torno de Draghi tem a ver com a possibilidade de intervir de alguma forma na distribuição do montão de dinheiro da “bazuca” que a Itália deverá receber – mais de 200 mil milhões de euros. Mas é notável que Draghi tenha logrado o apoio de Salvini, até há pouco um agressivo eurocético e líder informal de vários políticos eurocéticos da UE (apoiou o português Chega e em Espanha ajudou o lançamento do Vox, de extrema-direita).
Draghi também conseguiu atrair o líder do movimento Cinco Estrelas, o demagogo Beppe Grillo, apesar da contestação de uma parte desse movimento anti-sistema, onde não se pratica a disciplina partidária – por isso, um quarto dos senadores do Cinco Estrelas não alinhou no voto de confiança a Draghi no Senado.
No seu discurso de investidura como primeiro-ministro, Draghi prometeu reformas, designadamente no sistema fiscal, nos tribunais e na administração pública. E teve a coragem de prometer, também, que não resgataria empresas economicamente inviáveis. Um ponto essencial, de que tão pouco se fala entre nós.
Por outro lado, Draghi goza de grande prestígio na Europa comunitária. Incluindo na Alemanha, apesar das reservas do Bundesbank às medidas menos ortodoxas do Banco Central Europeu, por ele lançadas a partir de 2012 para salvar o euro e que se mantém com Christine Lagarde.
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