30 abr, 2021
Formalmente, está concluído o difícil e conturbado processo de saída do Reino Unido da UE. A presidência portuguesa contribuiu, com eficácia e discrição, para fechar alguns “dossiers”, como o das pescas. Mas permanecem algumas incertezas e preocupações nos dois lados.
O acordo de saída dos britânicos foi esmagadoramente aprovado no Parlamento Europeu (PE). Só que Bruxelas não tem confiança em que o primeiro-ministro Boris Johnson mantenha todos os compromissos que assumiu. Por duas vezes ele renegou pontos que haviam sido acordados. Não admira, por isso, que Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, tenha afirmado que não hesitará em acionar medidas legais no caso de o acordo de saída do Reino Unido não ser respeitado.
Além disso, o desagrado dos unionistas do Ulster (Irlanda do Norte), isto é, dos que querem permanecer no Reino Unido, quanto à solução encontrada para manter aberta a fronteira entre a República da Irlanda e o Ulster levou à demissão, na passada quarta-feira, da primeira-ministra do Ulster, que também se demitiu da liderança do partido unionista, pró-britânico e protestante. Esse desagrado já se fez sentir em ações violentas. O que traz à lembrança os “troubles”, isto é, a violência mortífera que marcou as décadas anteriores ao acordo de Sexta-Feira Santa de 1998. Este acordo, que trouxe a paz entre comunidades protestantes e católicas, tem como imperativo manter aberta a fronteira terrestre que separa o Ulster do resto da Irlanda.
Para tal, foi necessário manter o Ulster no mercado único europeu e na união aduaneira da UE, ao contrário do resto do Reino Unido, passando assim a haver uma fronteira virtual, no mar, entre o território britânico e o Ulster. Essa fronteira tem que ser vigiada, naturalmente, mas o Governo de B. Johnson tem vindo a adiar unilateralmente a vigilância.
Boris Johnson conseguiu uma vitória importante na vacinação contra o coronavírus, mas agora está envolto em polémicas de baixa política. Dominic Cummings, grande impulsionador do Brexit e até há pouco “guru” do primeiro-ministro, nesta altura questiona a competência e a integridade de Boris, que se viu forçado a afastá-lo de Downing Street. Cummings está a vingar-se do seu afastamento do centro do poder e não olha a meios.
Por outro lado, está em curso uma investigação sobre a remodelação na residência oficial do primeiro-ministro, Boris Johnson, em Downing Street. Diz a Reuter’s que existem suspeitas de que algum crime possa ter sido cometido.
Um primeiro-ministro enfraquecido terá maior dificuldade em travar o possível fim do Reino Unido, com a saída da Escócia e até, talvez, do Ulster (que provavelmente acabaria por integrar a República da Irlanda). Recorde-se que a maioria dos escoceses votou pela permanência na UE, quando do referendo de 2016. Aliás, a maioria dos eleitores do Ulster também votou assim.
Do lado da Europa comunitária a UE terá de encarar a sério o problema de manter como países membros democracias iliberais, como é o caso da Hungria, que viola frontalmente alguns princípios democráticos de base. Por exemplo, um sistema de justiça independente do poder político e o respeito pela liberdade de expressão.
Há dias o parlamento húngaro, dominado pelos partidários do primeiro-ministro Viktor Orban, votou uma lei que retira autonomia às universidades. Estas passarão a ser orientadas por fundações, cujos dirigentes, naturalmente, serão designados pelo governo de V. Orban. Já antes tinha havido interferências governamentais na gestão das universidades; e a universidade financiada pelo judeu húngaro George Soros teve que emigrar de Budapeste para Viena.
O método de Orban para calar críticas na comunicação social foi promover a compra de vários jornais, rádios e televisões por empresários amigos seus. Por outro lado, Orban tem excelentes relações com Putin, como é típico dos autocratas.
Também a Polónia tem tomado medidas pouco democráticas. E outros países, que igualmente estiveram décadas sob o império soviético, entraram para UE e para isso se democratizaram, agora estão a recuar em matéria de democracia. A situação na UE começa a tornar-se insustentável e há quem lamente a rapidez e a falta de cuidado com que se fez o alargamento da União aos países que emergiram do colapso do comunismo – o contrário do Brexit.