28 jun, 2021
Deitar dinheiro aos problemas económicos pode ser contraproducente. Por isso, o facto de Portugal ir receber muito dinheiro da célebre “bazuca” da UE não garante, só por si, que a nossa economia deixe de ser ultrapassada pelas economias dos países do Leste europeu, que partiram de níveis muito inferiores ao nosso quando entraram para a Europa comunitária.
A “bazuca” merece ser saudada porque, pela primeira vez, ela é financiada por dinheiro que a Comissão Europeia adianta aos países membros, tendo obtido esse dinheiro emitindo dívida nos mercados financeiros. É um passo histórico no sentido da mutualização da dívida na UE, até há pouco tabu. Portugal vai receber 16,6 mil milhões de euros, repartidos entre investimentos para a resiliência da economia, área digital e ambiente.
Mas a eficácia na aplicação desse dinheiro depende de muitos fatores, não estando assegurada à partida. Vejamos um exemplo de uma empresa que recebe dinheiro, o que só prejudica o progresso da economia. Por hipótese, trata-se de uma empresa muito endividada, que sobrevive apenas porque o banco que lhe emprestou dinheiro vai renovando o empréstimo (assim evitando registar nas suas contas o prejuízo desse crédito potencialmente malparado).
Neste caso, o dinheiro que vem da UE poderá servir apenas para prolongar aquela situação. Ora tal prolongamento evita que os meios humanos, financeiros e tecnológicos de que tal empresa dispõe se desloquem para outras tarefas, mais produtivas e, portanto, mais úteis ao progresso económico do país. Mas, dir-se-á, deixar falir essa empresa provocará desemprego, que é um flagelo social. É verdade, mas espera-se que pelo menos grande parte dos desempregados encontre, sem muita demora, novos postos de trabalho, onde será mais útil. Daí a importância da formação de trabalhadores, habilitando-os a lidarem com novas tecnologias.
Por outro lado, o dinheiro de Bruxelas deveria ser encaminhado prioritariamente para setores e empresas onde existam problemas estruturais que travam a modernização económica do país. O que implica a existência de estratégias claras na aplicação desse dinheiro.
Ora tais estratégias, a existirem, ainda não são do conhecimento público – tirando, naturalmente, aquelas generalidades habituais. Como compreender que o dinheiro já tenha luz verde de Bruxelas e essas estratégias concretas permaneçam desconhecidas? A continuar assim, o Governo não poderá queixar-se de aumentarem as suspeitas de que o dinheiro da “bazuca” servirá sobretudo para engordar o Estado e para satisfazer amigos e simpatizantes.
Quando, em finais da década de 1980, o então primeiro-ministro Cavaco Silva conseguiu obter ajudas financeiras de Bruxelas superiores ao que geralmente se esperava, era relativamente fácil definir prioridades. Assim, o dinheiro europeu serviu, nessa altura, para atacar necessidades gritantes – como o saneamento básico, a chegada da eletricidade a muitas aldeias ou as autoestradas, que então, em Portugal, cobriam escassas dezenas de quilómetros. Depois, como se sabe, passámos a ter um excesso de autoestradas, em várias das quais passa de vez em quando um carro.
Durante décadas foi desprezado o investimento público nos caminhos de ferro, como é sabido. Agora pretende-se, e bem, dar prioridade à via férrea. Mas não se conhece uma estratégia calendarizada para concretizar essa prioridade. E se o transporte ferroviário de passageiros ficar sujeito a greves permanentes, os seus utilizadores nada ganharão com esse investimento.
Não basta vir dinheiro de Bruxelas, é preciso aplicá-lo bem e de forma transparente. Caso contrário, em vez de progredir, o país continuará economicamente estagnado.