11 out, 2021 • Francisco Sarsfield Cabral
O tribunal constitucional da Polónia considerou que aquele país não deve submeter-se às leis e decisões da UE, assim negando o primado do direito europeu sobre os direitos nacionais dos Estados da Europa comunitária. Aquele primado é um traço essencial da UE, mas não se encontra explicitamente referido nos tratados. Estes consagram o Tribunal de Justiça da UE como fonte de direito; e este tribunal várias vezes insistiu no primado do direito europeu, pois sem a uniformidade jurídica assim obtida dificilmente poderia a UE funcionar.
Não foi uma total surpresa esta decisão do Tribunal Constitucional polaco. A sua presidente é muito próxima do poder político e foi ali colocada para fazer o que fez. Este é, aliás, mais um exemplo da interferência do Governo no sistema judicial da Polónia, violando o princípio básico da democracia liberal da separação entre poder judicial e poder político.
Apesar disso, há alguma surpresa nesta decisão: é que ela não apenas rejeita o primado do direito europeu, o que permitiria uma prolongada discussão jurídica entre Varsóvia e Bruxelas. A sentença do Tribunal Constitucional polaco vai mais longe, afirmando também que certos artigos dos tratados da UE são incompatíveis com a constituição da Polónia.
Mas, então, porque não os repudiou o governo iliberal quando iniciou funções há seis anos? O Reino Unido entendeu que não lhe convinha permanecer na UE e saiu. A persistir este conflito entre Varsóvia e Bruxelas, a saída da Polónia da UE fica à vista.
Claro que o principal partido que está no governo polaco nega querer abandonar a UE (um pequeno partido que faz também parte da coligação governamental no poder diz que a Polónia não deve permanecer na UE “a qualquer preço”). É que a Polónia tem beneficiado muito dos fundos de Bruxelas. Em parte por isso, uma clara maioria dos polacos diz-se favorável a permanecer na UE.
Mas simplesmente não é possível estar na UE não aceitando o primado do direito comunitário ou, como é o caso do governo polaco, apenas o aceitar para áreas como a regulamentação do mercado único.
Um porta-voz do Partido Popular Europeu, de centro-direita, criticou vigorosamente este desafio de Varsóvia à integração europeia, dizendo, por exemplo, “o nosso dinheiro não pode financiar governos que ridicularizam e negam as nossas regras comuns”. A Comissão Europeia ainda não deu “luz verde” para a Polónia receber a sua parte da chamada “bazuca” europeia. Depois desta decisão do Tribunal Constitucional polaco provavelmente a Comissão não entregará dinheiro da “bazuca” à Polónia.
Trata-se, pois, de uma séria crise da UE, que agora se agravou, depois de cinco anos em que ela se foi avolumando. Mas não é possível continuar a empatar o problema, fingindo que ele não existe ou esperando que ele desapareça por artes mágicas.