13 jan, 2023 • Francisco Sarsfield Cabral
A lei das incompatibilidades determina que “os titulares de cargos políticos de natureza executiva não podem exercer, pelo período de três anos contado a partir da cessação do respetivo mandato, funções em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado”.
Rita Marques, ex-secretária de Estado do Turismo, saiu do Governo há quarenta dias e prepara-se para assumir funções de administração numa empresa de turismo no próximo dia 16. Trata-se, claro, de uma frontal violação do que a lei diz. Mas Rita Marques não parece preocupada. É que a única sanção que a lei prevê para o seu caso consiste em durante três anos não poder regressar ao sector público...
Não é legal nem bonito, mas acontece que violar esta lei não tem sanção à altura, pelo menos neste caso. Isto, apesar de esta lei de há 30 anos ter sido revista mais de dez vezes – logo, torna os governantes e os deputados das últimas três décadas também responsáveis por este escândalo e por terem mantido em vigor uma lei inútil. Também eles, e não apenas a ex-secretária de Estado, ficam mal na fotografia.
A empresa em causa não sofre qualquer sanção, o que até afeta a saudável concorrência no mercado onde atua. À empresa foi concedido o estatuto de utilidade turística e recebeu benefícios fiscais, por decisão de Rita Marques, que agora é aparentemente recompensada com um alto cargo de gestão nessa mesma empresa. Será que a dita empresa vai manter aquelas vantagens? Provavelmente vai, porque a lei omite o essencial.
O PS já se declarou pronto a mudar a lei. Mas não são de evitar alterações legais feitas em cima do acontecimento? Certamente que sim, mas no outro prato da balança deve ser colocado o imperativo de contrariar a perda de credibilidade das leis em democracia.
Se nada for feito nesta matéria, como não foi nas últimas três décadas (apesar das muitas revisões a que a lei foi sujeita, repito), teremos de concordar com a opinião de Luís de Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais, segundo a qual os políticos não levaram a sério a lei das incompatibilidades. Como é que, pergunto eu, podem pretender ser levados a sério pelos cidadãos?
P.S. Depois de escrito e enviado este artigo para a Renascença, soube-se que Rita Marques tinha desistido de ir para a empresa referida no texto. Ainda bem, pois mais vale tarde do que nunca.