14 jun, 2023 • Francisco Sarsfield Cabral
O Conselho da União Europeia (UE) avançou na semana passada em alguns pontos do Pacto de Migração e Asilo, que deverá estar concluído em abril de 2024. Entre esses pontos foi decidido por maioria qualificada que um Estado membro que recuse receber refugiados deverá pagar uma contribuição financeira de 20 mil euros por cada requerente de asilo rejeitado. Os montantes destas contribuições serão depositados num fundo gerido pela Comissão Europeia e destinado a financiar projetos ligados à gestão da migração.
A Hungria e a Polónia, que não querem receber imigrantes muçulmanos do Norte de África e do Médio Oriente, votaram contra esta resolução. Argumentam que ela vai contra a soberania nacional desses Estados. V. Orbán, primeiro-ministro húngaro, considera inaceitável este acordo.
Independentemente do Pacto de Migração e Asilo, vale a pena refletir sobre como articular a integração europeia com a soberania nacional dos Estados membros da UE. Não é uma questão nova: ela vem pelo menos desde o Tratado de Roma, de 1957. Este Tratado estipulava que a então Comunidade Económica Europeia (CEE), hoje UE, poderia decidir certas medidas por maioria qualificada dos Estados membros. O que, obviamente, implicava uma perda de soberania para aqueles países que votassem vencidos.
O General de Gaulle, então presidente da França, retirou o seu país durante meses do Conselho Europeu por causa das decisões por maioria. De Gaulle era nacionalista e não gostava de decisões por maioria. A “crise da cadeira vazia” foi ultrapassada em 1966, com o compromisso de que um país membro da CEE poderia não aceitar a regra da maioria se estivesse em causa um “interesse nacional vital”. Este compromisso político nunca foi integrado nas leis comunitárias.
Nos primeiros anos de vigência do Tratado de Roma os países da CEE eram 6. Hoje, a UE conta com 27 Estados membros. Entretanto, foi preciso multiplicar as possibilidades de decisões no Conselho por maioria qualificada – mas mais ainda será necessário para que uma UE alargada com novos Estados membros não paralise. As decisões por unanimidade serão cada vez menos a regra, a não ser que a UE desista da integração europeia.
É significativo que os políticos mais hostis a decisões por maioria sejam autocratas, como V. Orbán. O primeiro-ministro da Hungria gaba-se de ter construído uma “democracia iliberal” – onde o sistema de justiça não é independente e se submete ao Governo, onde não existe verdadeira liberdade de expressão e onde as eleições não são justas. Os autocratas querem mandar nos países que dominam e detestam interferências de Bruxelas.