23 out, 2023 • Francisco Sarsfield Cabral
Portugal foi um dos três países da zona euro onde, entre 2021 e 2023, os salários não perderam poder de compra (ainda não se conhecem os dados da Letónia e da Croácia). Em 2022 o salário médio português ficou abaixo da inflação, que foi de 8,1%, levando a uma perda real de 2,4%. Mas no corrente ano a situação inverteu-se, com os salários nominais a subirem 8,3%, face a uma subida dos preços de 5,3%, permitindo um acréscimo do salário, em termos reais, de 3%.
Os salários tendem a subir entre nós, porque o desemprego é baixo e as empresas lutam com a falta de gente para trabalhar. Por isso têm que pagar melhor. Só que isso tem limites – há o risco de muitas empresas, sobretudo pequenas empresas, não conseguirem acompanhar a subida salarial e fecharem portas.
Este pequeno alívio no custo de vida de centenas de milhares de trabalhadores não deve levar-nos a ignorar que, em Portugal, muitos salários não dão para viver. Incluindo o salário mínimo, mesmo depois de aumentado. A partir de 2000 os salários reais (descontando a inflação) praticamente estagnaram no nosso país, acentuando a distância que os separa dos salários pagos na maioria dos países europeus.
A excessiva carga fiscal sobre o trabalho não ajuda; a descida do IRS em 2024 será um outro pequeno alívio, mas não evitará que milhares de trabalhadores tenham que recorrer a outras fontes de rendimento para pagarem as contas. Muitos deles tentam ganhar nas apostas, como as célebres “raspadinhas” – numa ilusão que os impede de ver que perdem dinheiro. Resta-lhes procurarem “biscates”, com prejuízo do seu descanso.
Um português com o rendimento médio seria hoje considerado pobre em onze países da União Europeia (UE). O limiar de pobreza na UE, o valor a partir do qual alguém é considerado pobre, é quase o dobro do que em Portugal.
É grave que inúmeros trabalhadores não tenham acesso a uma casa, perante a subida dos custos da habitação – renda devida aos senhorios, pois o recurso ao crédito é uma miragem para muitos deles. E os jovens com formação académica emigram em larga escala.
Esperava-se que a clara subida na qualificação dos trabalhadores portugueses nos últimos vinte anos trouxesse salários menos distantes dos salários europeus. Infelizmente, essas expectativas foram largamente frustradas e, pior o que isso, não se vislumbram melhorias significativas nos próximos anos.
A produtividade em Portugal não tem aumentado significativamente, travando a melhoria dos salários. Mas a responsabilidade desse travão não é dos trabalhadores, que, quando emigram, atingem altos níveis de produtividade no estrangeiro.
Sem um crescimento económico da ordem dos 4%, ou mais, será muito difícil termos salários de nível europeu. Mas não se vê que os governantes nacionais se empenhem nesse objetivo. Ficamos com a navegação à vista e com a nossa pobreza.