16 dez, 2022 • Beatriz Lopes
Se a maior parte dos pagamentos que fazemos no dia-a-dia já é feita através do telemóvel ou de um computador, o que traz de novo o euro digital? "É a pergunta mais difícil", admite Hélder Rosalino, administrador do Banco de Portugal (BdP).
O euro digital, uma versão eletrónica daquilo que é o euro físico, está a ser estudado pelo Banco Central Europeu (BCE) e, se receber luz verde, poderá ser uma realidade "no final de 2025 ou início de 2026". A existência da moeda virtual europeia, a concretizar-se, traz consigo novas possibilidades: por exemplo, podermos fazer pagamentos com o telemóvel sem estarmos ligados à internet, e termos uma espécie de MBWay, mas europeu.
"Se sairmos de Portugal, o MBWay já não funciona porque assenta no sistema bancário nacional. Mas se tivermos um euro digital, emitido pelo Banco Central Europeu, e se ele assentar em plataformas que são utilizadas globalmente, passamos a ter uma solução parecida com o MBWay para toda a Zona Euro. A ideia é termos uma moeda digital comum, de utilização livre e uniformizada em todos os países", detalha Hélder Rosalino.
Alarmismos à parte, o Euro digital não virá para substituir o Euro físico, o objetivo é que "se complementem", dando às pessoas uma opção adicional de pagamento. Há, ainda assim, outros motivos que justificam a sua criação: numa altura em que as cripto moedas continuam a ver crescer o número de utilizadores, os bancos centrais decidiram aproveitar a onda para "acompanhar a tendência de digitalização” e assegurar a soberania monetária da Zona Euro.
"Estamos a assistir a uma utilização cada vez menor de notas e moedas, o que significa que estamos a retirar os bancos centrais do sistema monetário e os bancos centrais têm que manter o seu espaço, e por isso o que estão a fazer é uma alternativa às notas, mas sem deixar de disponibilizar notas, porque há pessoas que ainda vão querer usá-las e ainda têm utilidade em algumas circunstâncias da nossa vida".
Uma das maiores vantagens "é a segurança" uma vez que, ao contrário do euro físico, o euro digital passará a ser depositado num banco central. "Nós já tivemos alguns problemas com bancos comerciais que tiveram que ser encerrados em Portugal e noutros países. No caso dos bancos centrais, não há memória de que tenham tido problemas, porque os bancos centrais podem criar dinheiro, têm o poder de criação monetária", sublinha Hélder Rosalino.
Ao contrário do que alguns utilizadores poderão pensar, o euro digital não será uma cripto moeda. "Não é esse o papel do euro digital", sublinha Hélder Rosalino. Desde logo, porque é apoiado por um banco central, o que significa que o valor da moeda tem de ser mantido, independentemente de ser físico ou digital.
"Não há qualquer objetivo de tornar este euro digital num instrumento de investimento, ele é apenas um instrumento de pagamento, serve para pagar as despesas do dia-a-dia. Porque o euro digital tem exatamente o mesmo valor que o físico: um euro digital vale tanto como um euro físico", acrescenta o administrador do Banco de Portugal.
Mas se esta característica poderá desanimar 5% da população portuguesa que está na posse de cripto ativos (um valor acima da média europeia de 4%), há outras características que "valorizam" o euro digital, desde logo "a sua sustentabilidade". Enquanto a mineração de uma Bitcoin consome quase 2,5 vezes mais eletricidade do que Portugal num ano, o euro digital "vai ser muito amigo do ambiente" e "não vai ter qualquer mineração por trás", garante Hélder Rosalino.
"O conceito da bitcoin assenta no conceito da mineração, que é decifrar algoritmos. Portanto, é preciso um grande poder de computação. Nada disso se vai passar com o Euro digital. O Euro digital é um registo informático". Além disso, acrescenta o administrador do Banco de Portugal, ao passarmos a usar mais dinheiro virtual do que físico, "haverá um menor consumo de energia e de criação de resíduos".
"As notas não duram muito tempo. Uma nota dura, em média, dois anos e, ao fim desses dois anos, têm de ser destruídas. Por dia, destruímos milhares de milhões de notas em todo o espaço da área do Euro e têm que ser produzidas novas notas: um processo de produção que consome imensa energia, água e tintas. Se substituirmos esta produção de notas pelo euro digital, abriríamos um contributo enorme para a sustentabilidade."
É uma conclusão "evidente": o euro digital não vai ter o mesmo nível de privacidade que têm as notas, porque sempre que efetuarmos um pagamento, deixaremos um rasto eletrónico. Ainda assim, "há um compromisso das autoridades europeias de manter a privacidade para pagamentos de pequeno valor", garante Hélder Rosalino.
"Por exemplo, se eu for a um café e pagar com o euro digital, ninguém vai saber onde o gastei. Mas para pagamentos de grande valor, haverá algum controlo para prevenir o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo, ou seja, a lavagem de dinheiro".
E como será garantida a segurança e a integridade da moeda? Será que com um Ctrl+C e Ctrl+V poderíamos ficar milionários? Hélder Rosalino responde com um sorriso: "Não há esse risco. Será uma plataforma completamente segura, gerida pelo Banco Central Europeu, não vai ter acesso descentralizado, será de utilização bastante restrita e todos os padrões de segurança vão ser os mais altos que se possam imaginar", remata.
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