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Será "uma moda"? Jovens voltam a dar fôlego à venda de livros em 2023
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Será "uma moda"? Jovens voltam a dar fôlego à venda de livros em 2023

13 dez, 2023 • Beatriz Lopes


Sempre que um livro é falado no Tik-Tok, os jovens procuram as livrarias - ainda assim, Portugal continua a ter "dos índices de leitura mais baixos da Europa". O alerta é da APEL que pede às escolas "mais entusiasmo" na análise de obras literárias e que se interessem também pelo que lhes dá "gozo" ler.

Se é uma moda, já dura, pelo menos, há dois anos consecutivos. Depois de o mercado do livro em Portugal ter crescido 16% no ano passado, 2023 deverá acabar com mais "um crescimento de 4 a 5%" e são os jovens que continuam a impulsionar as vendas, adianta à Renascença o presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), Pedro Sobral.

"A partir do confinamento, notámos uma grande diferença de paradigma com cada vez mais pessoas jovens a comprar livros. Isso é notório dentro dos segmentos que eles mais leem que são essencialmente a ficção no seu geral, aquilo que chamamos de Young adults, o tipo de conteúdos que faz um 'crossover' entre os 13 até aos 20 anos. E depois continua a haver uma grande procura de Manga [a típica banda desenhada de estilo japonês], Graphic Novels, isto é, a procura de conteúdos, até muitos deles clássicos, em formatos diferentes daqueles que eram habitualmente consumidos em Portugal."

"Os dados são muito positivos", considera Pedro Sobral que deixa, no entanto, o alerta: "Continuamos a ter dos índices de leitura e de literacia mais baixos da Europa. Ainda temos muito que fazer. Até 2019, antes da pandemia, a esmagadora maioria dos livros que eram comprados em Portugal era para oferta."

Mas será que o facto de os jovens comprarem mais livros significava que efetivamente os leem? O presidente da APEL admite que "não temos como aferir o uso que é dado ao livro", mas reforça que a partir do momento em que um livro é muito falado nas redes sociais, nomeadamente no Tik-Tok, há uma correria às livrarias.

"Pela forma entusiástica com que recebemos e-mails e muitos contactos deste segmento, a ideia que temos é que estão a ler os livros. Isto começou no Tik-Tok como uma "trend", como uma moda - que tem muito de bom e também muito de preocupante, porque pode ser passageiro. Mas o que é um facto é que esse entusiasmo, essa tendência de considerar que a leitura é algo que permite estar "in", que permite estar dentro de uma conversa, de partilhar algo no seu grupo de amigos, leva-nos a crer que muitos deles estão a ler. E leem com muita rapidez".

Com origem nos Estados Unidos, o movimento "Booktok" migrou para outros países como França, Alemanha, Espanha e Portugal não foi exceção. Em vídeos curtos, alguns de apenas 30 segundos, os jovens fazem resumos divertidos e criativos das obras que andam a ler, encenam personagens, fazem breves análises, ou apenas "memes".

O presidente da APEL prefere não discutir se os conteúdos são ou não superficiais. Na opinião de Pedro Sobral, o importante é despertar o gosto pela leitura.

"Estes conteúdos são normalmente consumidos por jovens que até àquele momento não liam. E, de repente, por ouvirem um Tik-toker que seguem, vão buscar a leitura, isso para mim é positivo, o que eu quero é que as pessoas cheguem à leitura. Se chegam através de vídeos no Tik-Tok, curtos ou superficiais, que falam, por exemplo, da cor da capa, não me é relevante. O importante é que esses vídeos possam levar a um hábito de leitura", sublinha.

Quanto aos baixos índices de leitura dos portugueses, Pedro Sobral critica os "típicos argumentos" que são usados para justificar a falta de leitura: desde o "não tenho tempo" a "os livros são caros".

"A questão do preço até é a que me custa mais. Quando me dizem que um livro é caro, eu pergunto em relação a quê. Se falarmos de um livro caro, de 20 euros para cima, se pensarmos no custo-oportunidade, em comparação com ir ao cinema ou ir passar férias, vamos ver que o maior benefício que tiramos é de um livro, porque para aquilo que ele nos acrescenta é de facto muito barato face às alternativas que existem. Quanto ao tempo, depende do entusiasmo e da conexão que nós conseguimos ter com um livro. Há sempre um livro para um leitor, o difícil é que o leitor o encontre."

Das questões de género aos clássicos de Júlio Verne

Entre as principais escolhas dos jovens, revela Pedro Sobral, estão sobretudo romances de autores internacionais, muitos deles de jovens autores e autoras com os que se identificam.

"É muito interessante. A categoria Young adults é muito procurada, porque presumo que também haja uma conexão quase de pares. Eles sabem que do outro lado há alguém que os "conhece". São romances alavancados nas questões que vivem no seu dia a dia: o conflito com os pais, por exemplo, ou temas mais fraturantes, como a violência no namoro, a questão do género e a forma como podem viver preconceitos, barreiras, obstáculos...".

Mas há outros géneros que reúnem as preferências dos jovens. Desde a febre da Manga que se explica pela forma como "olham para a cultura oriental - nomeadamente japonesa e sul-coreana- como algo bonito, positivo e fascinante" aos Graphic Novel que fizeram com que os jovens voltassem a ler clássicos num novo formato.

"É um sinal muito positivo. Eu lembro-me, por exemplo, do Homo sapiens, do Harari. É um livro com alguma densidade que no formato novela gráfica vendeu muito, assim como dois ou três livros de Júlio Verne. Estamos a falar de uma geração que já nasceu mais com a imagem do que com a palavra escrita e, por isso, a novela gráfica é um formato facilmente identificado por eles e, sobretudo, é consumido com muita rapidez”.

Resultados do PISA mostram a necessidade de mudar a forma como se ensina

De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), os alunos portugueses pioraram os conhecimentos a Leitura. Em 2022, obtiveram 477 pontos, o que representa uma descida de 15,2 pontos em relação a 2018 e de 12,8 pontos face a 2012.

Pedro Sobral acredita que o ensino à distância durante a pandemia não será a única explicação, sublinhando que a forma "pouco entusiástica" com que os professores analisam obras literárias, não cativa os alunos.

“Nós hoje olhamos para aquilo que são os livros obrigatórios nas escolas e muitos deles estão desfasados daquilo que os miúdos querem ler. Há um enorme intervalo entre o “gosto” por um certo livro ou um certo autor e aquilo que eles são “obrigados” a dar. Eu, que sou um leitor compulsivo, só li “Os Maias” muito mais tarde, porque nem queria ver o livro quando o demos no liceu, pela forma traumática como o demos, pela forma como a obra foi escalpelizada, cortada... E isto, obviamente, tem de mudar. Temos de trazer aquilo que são os gostos de leitura destes miúdos, perguntar-lhes o que andam a ler".

O Presidente da APEL garante, por isso, "total disponibilidade" para facultar os dados de mercado "a quem de direito", para que para além daquilo que é obrigatório estudar, "haja uma componente lúdica e uma componente voluntária na leitura".

"A leitura deve ser tão básica como uma alimentação saudável. Se não domarmos a nossa língua, se não soubermos interpretar um texto, temos uma enorme dificuldade em interpretar o mundo que está à nossa volta, temos uma enorme dificuldade em explicar aquilo que queremos, os nossos desejos, os nossos projetos, aquilo que sentimos… seremos sempre pessoas muito pouco inteiras. E pessoas muito pouco inteiras nunca conseguirão construir uma sociedade desenvolvida.”

APEL espera que jovens "aproveitem" cheque-livro

A medida já foi aprovada em Conselho de Ministros. A partir de 2024, os jovens com 18 anos vão ter um cheque no valor de 20 euros para comprar livros, um valor que fica "muito áquem" dos 100 euros que constavam na proposta da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. Ainda assim, Pedro Sobral considera que o mais importante é que haja medidas que incentivem os jovens a ler.

"Neste momento o que quisemos foi tornar a medida simples, que os miúdos aproveitem este apoio, que vão a uma livraria. A livraria é um espaço extraordinário, porque havemos de encontrar ali alguma que nos vai mudar a vida. Estou muito confiante de que teremos taxas de adesão elevadas e espero que, a partir daí, os valores se aproximem àqueles que podem fazer o impacto que são os tais 100 euros."

Pedro Sobral garante que, ao longo do último ano e meio, a APEL trabalhou com o Ministério da Cultura para que o processo de aquisição do cheque-livro fosse "intuitivo" e "simples" para os jovens.

"Será um sistema online que validará o facto de o jovem estar a fazer 18 anos naquele ano, com a introdução do Número de Identificação Fiscal (NIF), por exemplo, ou a chave-móvel. A partir daí, é gerado um Código QR que vale 20 euros que poderá de ser descontado nas livrarias".

Como metas futuras, Pedro Sobral diz esperar que se resolva "o problema da suborçamentação crónica das bibliotecas desde escolares a municipais", que "haja finalmente uma lei do preço fixo do livro" e que a escola tenha um papel fundamental "naquilo que é o entusiasmo e o gozo pela leitura".

Aos jovens fica o conselho: "Comprem livros já a começar neste Natal, mas acima de tudo leiam. Leiam livros comprados, emprestados, até os podem roubar (risos). Há sempre um livro que muda a vida de qualquer um de nós, só não podemos desistir."

E que livro mudou a vida de Pedro Sobral? "Para Sempre", de Vergílio Ferreira, confidencia.

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