07 fev, 2024 • Alexandre Abrantes Neves
Usam cada vez mais as redes sociais para se informarem, sentem-se descredibilizados por terem menos experiência de vida, querem um contacto mais próximo com os agentes políticos. Durante muito tempo, acreditou-se que os jovens percebiam pouco de política, mas agora os estudos - como “A Participação Política da Juventude em Portugal” publicado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2022 - vieram mostrar que os mais novos estão cada vez mais interessados pela atualidade.
Mas se os jovens começam a entender a política, será que a política faz um esforço para os entender? Pegámos nesta pergunta e sentámos à mesa duas especialistas em educação: Eulália Alexandre, subdiretora-geral da Educação, e Isabel Menezes, investigadora na área e professora na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.
E como se “geração Z” não fosse quase sinónimo de “redes sociais”, Isabel Menezes referiu que é principalmente online que os jovens participam politicamente, não só nas redes sociais – que é um “comportamento já completamente banal” –, mas também através de petições. Esta é uma “diminuição de barreiras” considerada “positiva” pela investigadora, mas que traz riscos – como a desinformação e a demagogia – e cujo combate só pode começar num sítio: na escola.
Marcelo Rebelo de Sousa abordou o tema da particip(...)
Eulália Alexandre reforça esta posição, até porque a sala de aula é o “espaço de todos” e onde o “diálogo e o respeito” têm de ajudar a combater a polarização vinda das redes sociais. Para a responsável, a literacia política tem de se focar em duas dimensões – a individual e a coletiva.
“A escola fará o seu papel, que é este aprofundamento desta consciência e da formação dos cidadãos, aqui em duas vertentes muito importantes. A primeira focada em si, sobre a escolha do ‘meu projeto de vida’. Eu tenho de ter conhecimento para ter pensamento crítico, para saber o que é que eu quero, o que é que está disponível. E, depois a segunda, para intervir na sociedade: têm que perceber e tomar decisões enquanto indivíduo e depois a seguir na sua comunidade”, explica.
Sobre os acontecimentos dos últimos meses, com o caso Influencer e a operação judicial na Madeira, Eulália Alexandre admite que podem levar a desconfiança pelos jovens em relação à política, mas ressalva que o tema não pode ficar à margem da sala de aula.
A subdiretora-geral da Educação reforça que os professores têm de adaptar as formas como abordam estas questões – e devem começar por desconstruir tudo aquilo que as crianças e adolescentes veem nas notícias.
‘Todos os políticos são corruptos’ é uma ideia fácil de replicar. Há aqui uma discussão que tem de ser feita na Escola sobre os direitos humanos – sobre o que é acusar, defender, provar.
"A primeira coisa que fazemos é a literacia dos média. É importante perceber o que realmente está a acontecer e o que é a justiça (...). ‘Todos os políticos são corruptos’ é uma ideia fácil de replicar. Portanto, há aqui uma discussão que tem de ser feita com os processos de direitos humanos – que é acusar, defender, provar. O papel da escola é esta análise e este pensamento crítico”, reforça.
Atualmente, o sistema de ensino português tem apenas duas disciplinas opcionais especificamente sobre política no 12.º ano – “Ciência Política” e “História, Cultura e Democracia” – e, na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, há apenas uma linha sobre “Instituições e Participação Democrática”.
Eulália Alexandre relembra que o tema vai surgindo “ao longo do currículo, em história e filosofia”, mas garante que a DGE está a ultimar um documento orientador sobre o tema, com diretrizes mais específicas para os professores.
“Estes referenciais têm indicadores e têm domínios que devem ser trabalhados desde a educação pré-escolar até ao 12º ano. Os professores, se quiserem, trabalham com eles, se não quiserem, têm as suas formas de desenvolver. Para a participação democrática, o documento está quase pronto, vai para consulta pública, mas será muito difícil ter tudo feito até 10 de março”, esclarece.
Provedor para a Juventude? Sim e “pelo amor à democracia”Apesar do interesse que revelam, os jovens nem sempre têm uma relação fácil com a política. O género, a classe social e até a origem geográfica podem dificultar o contacto com o processo político, mas, para Isabel Menezes, o fator mais problemático pode mesmo ser a idade. Segundo a investigadora, os jovens sentem-se “descredibilizados” pelas camadas mais velhas da população por terem “menos experiência de vida”.
Quem é mais velho tem de ter mais empatia. A luta por causas não é nova. Quem está no poder deve ter a noção de 'Eu também trouze coisas novas à política e isso foi porque alguém me ouviu
Isabel Menezes pede “mais empatia”, até porque, tal como os jovens estão atualmente comprometidos com as alterações climáticas, os adultos de hoje também lutaram por causas no passado – como o movimento antinuclear.
“Essa mobilização por causas tem tido continuidade intergeracional. É muito importante que essas continuidades sejam destacadas. Quem está no poder e quem é mais velho deve ter esta noção de ‘Eu próprio também trouxe coisas novas à discussão política. Isso foi porque alguém me ouviu e, se calhar, é por isso que estou aqui nesta posição agora’”.
Podcast Somar Ideias
Que representatividade têm os jovens na política? (...)
Para combater esta distância ao poder, a também professora universitária sugere que os deputados e outros decisores políticos visitem as escolas, para ouvir os problemas e as sugestões dos jovens. E quando lhe perguntamos se faria sentido criar um Provedor para a Juventude em Portugal, como já existe em alguns países europeus, Isabel Menezes vê com bons olhos a medida – até porque pode promover “o amor à democracia”.
“Esse órgão deve ser ocupado por alguém jovem. Muito do que aprendemos sobre polícia aprendemos na prática, através desses processos de participação. É a cidadania vivida, através de associações de estudantes e do voluntariado. Eu não queria parecer romântica, mas isto é tudo pelo amor à democracia”, remata.