21 fev, 2024 • Alexandre Abrantes Neves
Mais rapidamente saem para as ruas com cartazes e criam contas nas redes sociais para defender causas do que abanam bandeiras partidárias no final de um comício partidário. Os jovens estão cada vez mais interessados pelo ativismo – e não só – e até há quem diga que até podem estar a condenar ao falhanço as juventudes partidárias.
Mas será que esta distância entre partidos e jovens se sente nos debates para as legislativas? E o poder político, não devia dar mais ouvidos a estes movimentos como faz com os sindicatos? A nível europeu, que espaço há para o ativismo?
Para esclarecer todas as questões, o podcast Geração Z, da Renascença, convidou dois jovens que, apesar do trabalho e dos estudos, fizeram questão de nunca deixar o ativismo e a vida cívica de parte.
Nos últimos dias, vários ativistas decidiram começ(...)
Inês Franco Alexandre é membro do grupo de reflexão “O Futuro Já Começou”, criado pelo Presidente da República para colocar jovens a discutir temas nacionais e globais relacionados com o futuro. Em janeiro deste ano, lançou em conjunto com mais seis amigos o Coletivo Matéria, uma plataforma criada em plena pré-campanha para as legislativas para apresentar propostas de jovens aos líderes políticos.
Já David Almeida tem o coração dividido entre duas causas: o feminismo e a anticorrupção. Desde 2022, é presidente da secção de Lisboa do movimento HeForShe, dedicado à igualdade de género. Um ano depois, assumiu o desafio de se tornar assistente de projetos na Transparência Internacional Portugal, dedicada à prevenção e à luta contra a corrupção.
Apesar de esta ser a primeira vez que se cruzam numa conversa, não demora muito até chegarem a um consenso: os partidos políticos não se souberam adaptar à forma como os jovens querem e são estimulados a participar na política atualmente.
Temos de criar diálogos diretos entre governos e ativistas, por exemplo através da concertação social
Inês Franco Alexandre explica que os jovens já não se reveem em ideologias específicas e preferem cada vez mais as causas que defendem. E se as forças políticas pecam por “utilizarem mal as redes sociais” e por optarem por uma “mensagem muitas vezes complexa”, a lista de pontos a melhorar não fica por aí: Inês pede mais transparência nos programas eleitorais.
“Não é nada fácil perceber como é que as medidas vão ser executadas, quais é que são os orçamentos, quais é que são os resultados, como é que vamos avaliar, como é que vamos monitorizar… Os jovens cada vez mais querem ser impactados por causas e por líderes, e não por um caderno de encargos com os quais não se identificam”, defende.
Esta distância, para Inês Franco Alexandre, é evidente nos debates para as legislativas, onde os líderes partidários dedicam mais tempo “a falar sobre o problema do jovem e não sobre a solução para que possamos ter a vida impulsionada de outra forma”.
David Almeida não tem dúvidas de que deputados mais jovens na Assembleia da República aproximariam as gerações mais novas da política – e não vê com maus olhos a inserção de quotas para jovens nas listas para o Parlamento, como atualmente já existe para garantir a igualdade de género.
“Olhamos para um Parlamento e, em 230 deputados, não há muitos jovens e, mesmo os poucos que há, não refletem necessariamente a diversidade daquilo que é a população portuguesa. Isto acaba por desmoralizar os jovens. Eu sou a favor da das quotas relativamente ao género, possivelmente a favor relativamente a outras questões demográficas que são, de facto, relevantes [como a idade]”, detalha.
Inês Franco Alexandre concorda, mas vai mais longe: quer que se abram canais de diálogos diretos entre os movimentos de ativismo e os decisores políticos – por exemplo, equiparando os ativistas a sindicalistas e incluindo-os nas reuniões de concertação social. A cofundadora do Coletivo Matéria reforça que esta é apenas uma de “várias formas para aumentar a participação”, mas realça a urgência de criar um “estatuto legal que coloque as organizações, associações juvenis ou movimentos coletivos dentro do espaço de decisão”.
Sobre os bloqueios de estradas ou destruição de montras de lojas por alguns grupos de ativistas, Inês Franco Alexandre recusa criticar estas ações – considera apenas que estes movimentos devem clarificar as suas intenções para “garantir que não afastam o cidadão comum”.
“O cidadão comum acha que algumas ações estão a prejudicar o seu dia a dia e nós temos de saber dar resposta. Os media chegam ao local e não há ninguém capaz de explicar o porquê de algumas ações. É preciso mais literacia [para a população]. (...) Eu não coloco em causa as ações, mas sim o momento em que elas acontecem.”
Explicador Renascença
Um grupo de ativistas do movimento Climáximo corto(...)
E neste trabalho de aproximar a sociedade, David Almeida acredita que os movimentos devem “complementar trabalhos” e “encontrar sinergias” – e, principalmente, estar atentos aos problemas que podem colocar em risco a sobrevivência do ativismo.
“A crise da habitação é uma ameaça profunda a qualquer tipo de ativismo. O ativismo é muito bonito, em teoria, mas, na prática, também tem de ser sustentável - e ninguém fará o ativismo pela cidade de Lisboa se ninguém viver na cidade de Lisboa. Tem de haver este esforço contínuo [de atenção]”, afirma.
Seguindo o rasto deixado pelos últimos episódios do Geração Z, da Renascença em parceria com a EuranetPlus, David Almeida destaca a falta de conhecimento sobre a União Europeia como um dos maiores problemas dos jovens na atualidade.
Não é nada fácil perceber como é que as medidas vão ser executadas. Os jovens cada vez mais querem ser impactados por causas e por líderes, e não por um caderno de encargos com os quais não se identificam
O presidente da HeForShe Lisboa relembra que já há alguns movimentos de ativismo em Portugal que se dedicam às questões da Europa – não só a mobilizar os jovens, mas também a fazer uma avaliação das políticas relacionadas com os 27.
“Não faltam notícias sobre a bazuca europeia e como esses apoios são fundamentais para mobilizar e inovar na nossa economia. É preciso que as forças da sociedade civil destaquem essa importância, [mas que também estejam] atentas à gestão desses fundos. Temos de fazer esse escrutínio e essa avaliação. Não podemos ter um projeto para o país, que não seja um projeto para Portugal na Europa”, remata.