Siga-nos no Whatsapp
Graça Franco
Opinião de Graça Franco
A+ / A-

A razão de Guterres

23 fev, 2016 • Opinião de Graça Franco


A desgraça não sendo inevitável é infelizmente possível. A resiliência de Costa é a única semigarantia para um antifracasso.

Tem razão Guterres quando segunda-feira afirmava que independentemente do que cada um pense da actual forma governativa é essencial que a partir daqui “todos procuremos que as coisas corram bem”. Isto não só porque a probabilidade de que corram mal é infelizmente muito grande, mas, sobretudo, porque se correrem mal, só podem correr muito, muito mal. Enganam-se os que pensam que podem sair reforçados de um qualquer desastre.

Neste quadro, o debate promovido pela revista “XXI”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, resumiu-se ao confronto entre a análise do optimista e do pessimista. Para Guterres o compromisso obtido pelo PS junto dos partidos à esquerda garante a “fidelidade” aos compromissos europeus e atlantistas do Governo e isso já garante que os esforços de consolidação orçamental não voltarão atrás. Durão Barroso, inversamente, não acredita que tal compromisso se mantenha e seja sustentável.

Num ponto ambos coincidem e têm razão: dessa fidelidade ou rotura dependerá o nosso futuro. Muito mais do que do acordo pontual entre as forças de esquerda para aprovação deste Orçamento, importa saber se essa conjugação de vontades resistirá ou não aos próximos meses. No fundo, em que medida tem condições para superar o prazo de validade que a direita lhe concedeu “até Abril”.

Para isso não basta conseguir aprovar na generalidade o Orçamento, nem basta fazê-lo passar tranquilamente no próximo debate na especialidade com o PCP a fazer prova de responsabilidade a cada escolha “do mal menor”, num confronto exaustivo medida a medida.

A anunciada proposta de nacionalização do Novo Banco, que o Governo arrumou transitoriamente no quadro de um grande debate a lançar sobre o sistema financeiro nacional, mostra que o PCP não hesitará em fazer prova de vida, seja ela ou não considerada oportuna. Falar neste momento em nacionalizações da banca é quase tão mau quanto falar de renegociação da dívida, por mais que as duas propostas possam ser vistas não apenas como inevitáveis, mas até como essenciais.

Enquanto o PC perceber que o regresso da direita é a moeda de troca da rotura, pode até aceitar que cada despesa adicional proposta tenha por contrapartida uma receita ou um imposto adicional assegurando a neutralidade fiscal. Pode até aceitar que o princípio se aplique às 35 horas (silenciando os protestos sindicais), mas essa bonomia esvai-se se, chegado Abril, um novo plano “austeritário” se impuser. Sobretudo se até aí não forem claras as provas de inversão de ciclo económico, como muito provavelmente não serão.

Quanto ao Bloco (forçado a engolir um aumento de um euro nas pensões para as quais reivindicavam um mínimo de 25!), aparentemente, basta-lhe agora conseguir a sua nova bandeira: a redução da tarifa social de energia para “um milhão de portugueses” às custas da EDP e indirectamente dos restantes contribuintes. Difícil vai ser manter Catarina e o seu entusiasmo sob controlo garantindo que um mero grupo de trabalho para estudar o problema da dívida será visto pelos bloquistas como princípio da “reestruturação desejada”, sem que isso se torne demasiado notório para Bruxelas.

O futuro de Costa joga-se, por isso, depois do texto aprovado. E joga-se em duas frentes: interna e externamente. A primeira já acarreta um enorme nível de incerteza: vai o choque de consumo provocar o desejado reforço de receita fiscal, e o executivo ser capaz de pôr mão férrea na despesa? Vai a confiança resistir e investimento disparar? Vai a paz social manter-se e a página “austeritária” ainda que na aparência parecer ultrapassada? A frente externa, onde não há nada a fazer, acarreta ainda maiores riscos.

Basta uma crise financeira acentuar-se interna ou externamente, a economia chinesa abrandar ainda mais, a Grã-Bretanha dar um ou dois passos em direcção da porta de saída, o petróleo afundar ou as tensões geoestratégicas entrarem em colapso para que Costa, mesmo sem culpa e sem mexer uma palha, enfrente a ameaça dos juros insustentáveis.

Queiramos ou não, faça ou não o Governo o que deve fazer, não existe nenhuma vacina anti-resgate que possa ser administrada à economia de forma eficaz.

Mas uma coisa é certa: Abril será o limite tolerável para a manutenção da actual campanha eleitoral (bem evidente nos dois dias de debate). A partir daí, das duas uma: ou serão necessárias novas medidas (que dificilmente serão classificáveis de esquerda ou de direita) ou Costa estará a salvo para os próximos tempos.

Na segunda-feira, Centeno não quis abrir o jogo sobre o plano B, mas acabou a assegurar que ele “não é para ser anunciado”. Bastará estar pronto “quando for necessário”. Citando a frase do comunicado do Eurogrupo, acabou a reconhecer que o plano é afinal uma certeza, certa, despida dos anteriores eufemismos “se for necessário”. Pelo caminho anunciou mesmo que o dito plano não terá cortes de salários e pensões, nem novos aumentos de impostos “directos”. Uma fórmula que deixa a hipótese de aumentos do IVA em aberto…

Costa será, até por isso, o primeiro interessado em executar “muito bem”(muitíssimo bem mesmo…) o seu Orçamento. Os elogios com que ontem brindou inesperadamente o CDS (colocando-lhe o rótulo de “oposição responsável e patriótica”, ao contrário do PSD) mostram também que o líder socialista ainda não desistiu de alargar a sua base de apoio “ocasional” e não deixará de fazer tudo para se manter no poder. Mas Cristas não se deixou comover com a deferência e foi muito clara: o CDS fará uma oposição “prudente”, mas se alguma coisa correr mal este orçamento, que já tem “quatro pais”, nunca será o seu.

Se os optimistas como Guterres tiverem razão, talvez Costa consiga levar a “geringonça”, mesmo com a energia mais cara, muito mais longe do que se previa inicialmente. Se assim for, a social-democracia pode acabar na gaveta não para os próximos quatro anos, mas para os próximos oito anos. A menos que a liderança “passista”, sem teimosias abandone a retórica “bota-baixista e comicieira”. Também ela terá prazo de validade até Abril. A partir daí, o tempo novo exigirá uma outra oposição ou uma outra liderança.

Em Belém passará a estar agora “um optimista” irrequieto capaz de ver o país mais largo e a longo prazo. Os velhos líderes partidários vão ter de ajustar as respectivas estratégias a este novo tabuleiro. Marcelo percebe melhor do que ninguém que se a coisa correr mal pode mesmo correr pessimamente e ninguém sairá reforçado de uma catástrofe nacional. Ele será o primeiro a tentar evitá-lo. E a desgraça não sendo inevitável é infelizmente possível. A resiliência de Costa é a única semigarantia para um antifracasso.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • amorabe
    25 fev, 2016 Gondomar 16:29
    O camarada Guterres é demasiado ingenuo para ser politico... mas a verdade é que vive dela... ! vejam-se as frustraçoes por que tem passado, quer interna, quer externamente; oxalá a próxima aposta, ONU, lhe traga melhores realizações e conformações. Não me surpreendeu ele acreditar no atual governo e que até será um bom exemplo para a Europa... que venha a ter razão, para bem de todos os portugueses.
  • Teresa Varela
    24 fev, 2016 LISBOA 11:43
    Cara Graça Franco, a senhora é então dessa facção. Já tardavam em aparecer os pretenso patriotas que só olham para o próprio umbigo e não se incomodam nada de dividir o país, mais grave, de dividir os da corrente, setor ou ala partidária que, supostamente, dizem defender. Muito triste.
  • A.Moura
    24 fev, 2016 lx 11:10
    Dr.ª Graça Franco: o Guterres é um socialista emocional que não se distinguiu, infelizmente, pelas suas capacidades governativas. Como todo o bom socialista é razoavelmente ignorante em matérias económicas e confunde desejos com a realidade. Infelizmente, já não há espaço para ideologias. E sabe como é que isto vai acabar? Com um estoiro de todo o tamanho e com a esquerda arredada do poder durante para aí uma vintena de anos. Escreva o que eu lhe digo.
  • JP
    24 fev, 2016 Lisboa 09:53
    Esta verborreia faz lembrar os prémios que saiam na farinha amparo. Esta coisa de escrever e falar sem contraditório é bom e dá prémios.