27 out, 2017
Em 1979, os catalães saíram à rua para festejar o novo estatuto autonómico que lhe permitia reforçar os poderes da nação catalã. A sua língua passou a ser falada, escrita e ensinada nas escolas, ganharam poderes reforçados em matérias de gestão financeira e de impostos, mas não passaram por isso a deixar de ser uma região autónoma de Espanha. Uma monarquia una feita da soma de uma série de nações.
Esta sexta-feira os catalães recusaram esse estatuto para declarar unilateralmente a independência. E o Barcelona agora como ficará? Não há esquerda nem direita ali - há uma direita extremada e soberanista que desde 2006 se vem aproximando e coligando a uma extrema-esquerda anarco-independentista. O Podemos ou o Ciudadanos entram aqui como uma espécie de modelos de bom senso e o PSOE e o PP não são apenas centrais de defesa da Espanha Unida, mas a realidade impõe-se-lhes. Para Espanha, este 27 de Outubro foi pelos piores motivos um dia histórico e para os catalães esperemos que não seja apenas o fim de um princípio de um temível efeito dominó nacional e internacional irreversível e de isolamento crescente.
De repente, o que parecia apenas uma corda esticada entre Barcelona e Madrid para reforço da autonomia catalã, conseguindo uma mais egoística repartição de impostos, menos liberal para as outras regiões espanholas, tornou-se na maior crise da Espanha democrática ameaçando a Paz e a Unidade na Europa.
Teme-se o efeito dominó. E quem ontem consultasse do governo autonómico basco tinha motivos reforçados para o temer. Mas para além da Espanha onde também começam a falar alto os galegos, o que acontecerá agora aos independentistas da Flandres, e o que será da própria Bélgica se desenhada a régua e esquadro no pós-guerra se vir reduzida a metade do nosso Alentejo? E da Itália? Ou pior ainda da ex-Jugoslávia, para já não falar do caso escocês de novo. Mas não é só o depois que se pode temer é o hoje que já mete medo e o amanhã catalão e europeu que assusta.
Claro que tudo poderia ter sido evitado antes, se a diplomacia tivesse funcionado com menor inflexibilidade de parte a parte. Não basta uma Constituição para fazer cumprir. Até que ponto um referendo indicativo não podia ter aberto a porta a uma efectiva desvalorização do fenómeno independentista. Ninguém podia antecipar com os dados então conhecidos a vitória dos radicais. Além disso, mesmo admitir a abertura de um processo de revisão constitucional podia ter permitido ganhar tempo para esfriar as cabeças.
A intervenção desastrosa da Guarda Civil em confronto com os Mossos d’Esquadra forçados, a optar entre duas obediências no dia do referendo, não deixa augurar nada de bom. Vale a pena esperar agora para ver se à declaração unilateral se seguirá agora uma espécie de massiva desobediência civil, a dificultar ainda mais a aplicação do chamado artigo 155 da Constituição.
Se for preciso prender os ex-governantes, e impor pela força a lei, se a coisa correr mal e surgirem mesmo por acidente os inevitáveis “mártires”, se o anunciado jogo Real Madrid-Girona acabar em guerra fora das quatro linhas (embora a viagem dos jogadores já se anuncie por autocarro descaracterizado para evitar acidentes e incidentes)?
É cedo para se saber o que pode acontecer, mesmo aqui ao lado, mas uma coisa é certa: a uma Europa frágil, em pleno processo de redefinição, uma divisão em nome de novos/velhos nacionalismos só serve para lhe reduzir ainda mais a voz no mundo.
A uma potência com a força da Espanha Unida nada pode acontecer de bom num crescendo de instabilidade e divisão interna (nem económica, nem politicamente). Para Portugal, a saúde de Espanha é tão ou mais importante do que a saúde própria. Parece um bocadinho egoísta? Talvez. Mas o diálogo que leva ao encontro, estabelece pontos e garante a paz é sempre a melhor solução, mesmo que a tentação da guerra seja vezes demais apresentada como a única possível. Não é verdade nem para o lado de Madrid nem para o lado de Barcelona.
Aos líderes também se exige de quando em vez um pouco mais de criatividade, para não perderem a face nem de um nem de outro lado. A experiência da Espanha de 1936, quando eram adultos os nossos pais, devia servir de vacina a todos os extremismos.