30 jan, 2019
Houve “muita incúria”, disse Carlos César. Houve “má gestão”, admitiu Centeno. Esteva “à beira da resolução (vulgo falência)”, acrescentou o ministro das Finanças. E, chegados aqui, há finalmente novidade: sem os 5 mil milhões de recapitalização da CGD, ela iria por água abaixo e com ela o sistema bancário nacional. Nós bem temíamos, Centeno confirmou. Nos bancos é sempre assim, quanto mais sólidos nos garantem que estão, mais à beira do colapso se encontram. Desconfiemos se nos pedem um “reforcinho nos rácios que aliás estão ótimos”. Foi o caso da CGD.
A novidade veio acompanhada de outra confirmação: a pouca vergonha da gestão em tempo de assalto ao BCP e Governo Socrático. E não só? É esta dúvida que, de repente, parece assaltar todos, da esquerda à direita, e colocar em causa décadas de gestão pública.
Será que já antes “o tacho” era gerido de maneira igual? E se se provar que houve um fio contínuo que ora pecava por “incúria” ( no mínimo), ora assumiu foros de “gestão danosa” (no máximo). Como resistirão as convicções dos que, como eu, sempre defenderam a não-privatização do banco público e o seu papel essencial na política económica? Se o "amiguismo" foi mesmo a nota permanente, retirem-se conclusões sobre a qualidade da elite nacional. Acabe-se também com a defesa da bondade da opção pública.
Admito que tentei fugir, até hoje, a falar da CGD. Não gosto de falar de trafulhices e muito menos ainda de trafulhas (com direito a serem empurrados para o banco dos réus da opinião pública). Gente até aqui “acima de qualquer suspeita”, mas caída em desgraça junto dos mesmos que lhe incensaram a excelência enquanto eram os donos dos vários poderes. Hoje, contudo, não posso fugir ao tema porque é urgente desmistificar manobras que, mais do que procurar a verdade útil, parecem querer fazer explodir os odres velhos com o vinho novo de novas investigações que procuram olhar com lentes de 2019 negócios de há dez, quinze, vinte, trinta anos. Isto, em economia, não é apenas uma impossibilidade, é desleal.
A minha declaração de interesses é simples: recuso-me a meter nos mesmos sacos incompetentes e corruptos, mafiosos e gente séria. Arrivistas iletrados e homens cujo único crime possa ter sido estar no lugar errado à hora errada.
Ao longo dos últimos 20 anos (trinta até!) em que fui fazendo, umas vezes mais perto, outras mais longe, o setor dos sarilhos (vulgo Banca), fui vendo passar pelo banco público homens de todas estas categorias. Nalguns casos ainda me permanece a dúvida sobre que rótulo atribuir a alguns deles. Não falar do tema pareceu-me, até aqui, a única garantia para não cometer grandes ou pequenas injustiças. Mas o silêncio tornou-se agora mais pesado, quase cúmplice neste assassínio de caráter coletivo de todos os que passaram por lá. Foram tantos.
O que há de novo? Uma primeira Comissão de Inquérito em que ninguém quis apurar a verdade e acabou intempestivamente quando as conclusões ameaçavam transformar-se em fogo amigo, criando mais vitimas entre apaniguados do que entre inimigos. Para mais como risco de agravar a desconfiança num setor já de si abalado. Uma segunda Comissão de Inquérito, perdida em minudências, que não pretendia coisa nenhuma e visava apenas fazer politiquice. E agora? A ameaça de uma terceira, com a grande mais valia de se poder ler um documento de auditoria já revelado cirurgicamente nos jornais. Haja paciência.
Ficaremos a conhecer então as generalidades que, com muito mais detalhe, já conhecíamos dos tablóides, centradas nos tempos da pouca vergonha do assalto ao BCP por meia dúzia de “inimputáveis bancários” em pleno Governo Sócrates (a mistura explosiva BES/PT/ CGD), espelhada em processos do estilo Operação Marquês ou Face Oculta.
Que mais ficaremos a conhecer agora? A lista de devedores elencada pela auditoria definitiva que as fugas para a imprensa já deram a conhecer em versão “revista” no CM?. Nem isso. Para isso serviria uma outra lei que já está no forno. O texto que a senhora procuradora já mandou seguir para consumo dos deputados e que ontem mesmo parece ter saído pressurosamente do MP a caminho da Comissão da AR (uma que não é de inquérito mas que pode ser de inquérito, se se provar que afinal ainda resta alguma coisa para inquirir… ), expurgada do que possa passar por “segredo bancário”, e só é enviada porque ainda não está “ou já não está” a coberto do segredo de Justiça.
A mistura parece explosiva. É a chamada fuga perfeita. Como não “foge a nada…” poderá ler-se, integralmente, do princípio ao fim. Mas, como tudo o que é suscetível de ser exibido em pelourinho estará ilegível, ameaça não ter nem lógica interna, nem interesse nenhum.
A fúria justicialista de Ana Gomes, que agora quer levar administradores e devedores a tribunal, arrisca-se a ter de continuar à espera da avaliação do Ministério Público. O tal que todos sabemos que, além de muito célere, dispõe de imensos meios para avaliar o que é o risco razoável de uma operação normal em tempo de vacas gordas e o que é a falência imprevisível, e em cadeia, de grandes devedores, fruto de crises internacionais sucessivas e recessão troikista interna (caso dos grandes construtores). A análise será facilitada pelo facto de, décadas passadas, haver muitos meios de prova sobre o que foi tráfico de influências, incompetência e má regulação ou incúria na avaliação de risco.
Isto, a ser assim, já era mau. Porém, temo ainda pior. Como a parte “sexy” da auditoria definitiva (em versão provisória … já está revelada), que nos prova a conhecida pouca vergonha da concessão de créditos sem garantias processada por um anterior Governo PS. Apesar de tudo, Centeno pode dizer sem mentir que, “em sete Governos e oito ministros das Finanças”, foi ele o único que pediu uma auditoria à gestão do banco público. Pode acontecer que todo o ruído em redor do banco, agora obviamente muito melhor gerido e, finalmente recapitalizado, vise sobretudo evitar futuros incómodos em tempo eleitoral.
Na ausência de uma oposição com uma estratégia eficaz de apresentação de alternativas que nos façam perder menos dinheiro, lá continuarão PSD e CDS, em conjunto com os parceiros do Governo, devidamente mobilizados para continuar a perder tempo.