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Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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Costa e Silva: de paraministro a “uma espécie” de coisa nenhuma

01 jun, 2020 • Opinião de Graça Franco


Não há segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. António Costa sabe disso. E, por isso, nunca deveria ter minado a credibilidade da personalidade escolhida, mantendo-o fora dos holofotes, mas dentro dos corredores do poder, durante praticamente um mês, sem estatuto legal e na maior opacidade.

Costa e Silva pode ser um óptimo engenheiro e um experiente e excelente gestor de empresas petrolíferas. Mas, como estratega da reestruturação económica portuguesa, para a próxima década, o mínimo que se pode dizer é que por mais estimáveis, claras e estruturadas que sejam as suas ideias, foi recrutado da pior maneira. Num processo misto deamadorismo/voluntarismo. Lamentável é o termo mínimo que se usar para qualificar o expediente, exactamente quando era preciso garantir uma belíssima escolha.

A forma de o apresentar aos portugueses (via notícia do Expresso) não podia ser mais desastrada. O capital de confiança e independência que devia merecer, a todos, porque se trata de estabelecer as traves mestras do nosso futuro, para as próximas décadas, não chegou sequer a existir. Foi deitado borda-fora com o anúncio da própria tarefa. Não começou mal. Começou pessimamente. Tomara que acabe melhor.

Talvez seja injusto para ele. Mas não há segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. António Costa sabe disso. E, por isso, nunca deveria ter minado a credibilidade da personalidade escolhida, mantendo-o fora dos holofotes, mas dentro dos corredores do poder, durante praticamente um mês, sem estatuto legal e na maior opacidade. Não foi um conselheiro como qualquer outro. Esses, o Governo terá quantos quiser e não precisará de nos dar conta. Assume-se que foi e será muito mais do que isso. Ou, se calhar, já nem será. Essa é a parte grave.

Em democracia, os lugares de poder não se ocupam nem distribuem assim. E nem a legítima pressa nem a figura do trabalho “pro-bono” servem de desculpa ou, sequer, se aplicam. O povo adverte que “depressa e bem…” e os economistas passam a vida a alertar para o facto de “não haver almoços grátis”. Costa tinha obrigação de o saber e de garantir que o que parece não é. Porque à mulher de César, coitada, não basta ser.

Aliás, a última vez que ouvimos falar de conselheiros governamentais “pro-bono” no Governo de Costa, a gerir processos tão importantes como “os lesados” do BES, as relações de Isabel dos Santos com o BPI e a renacionalização parcial da TAP, não ficámos com boas recordações. Lacerda Machado foi primeiro apresentado como um mero ajudante e amigo de confiança e acabou como membro da comissão executiva da transportadora aérea, com os resultados que se conhecem.

O Estado paga e não manda.E a distracção é tal entre os representantes do accionista ,na dita comissão, que nem mesmo do plano estratégico da companhia o Governo toma atempadamente conhecimento. Pior, só quando ele já foi divulgado aos media e os autarcas protestam, o Estado pode dar algumas sugestões de bom senso para que seja revisto.

Também, nesse caso, não havia sequer um despacho de nomeação, uma remuneração devida, um qualquer processo devidamente escrutinável e só a muita polémica gerada em torno da figura acabou por obrigar a dar os passos minimamente aconselháveis em democracia para quem, em nome do Governo,tinha tarefas delegadas daquela importância. Para cúmulo Lacerda Machado tinha como único motivo apresentado para a escolha a amizade e a confiança depositada pelo seu “ amigo de sempre”. No caso, primeiro-ministro. Não chegou.

Com Siza Vieira já não foi assim: embora pertencesse ao núcleo duro de confiança de Costa houve uma primeira nomeação para uma comissão concreta. Visava dar força ao importante processo de recapitalização das empresas. Foi devidamente encartado.Embora as empresas continuem, maioritariamente descapitalizadas, acabou ministro.Com declaração de rendimentos entregue e confiança política óbvia e reforçada. Correu bem.

Desta vez é diferente. O mérito da escolha parece vir mais da “Independência” e, até, de uma visão um bocadinho crítica da governação. Qual é o problema?

Macron nomeou, ainda há poucos dias, dois peritos para estudarem uma estratégia para a década.Rumo à reestruturação da economia francesa pós-pandemia. Pede-se-lhes que tenham em conta uma eficaz e adequada utilização dos fundos europeus de reestruturação (que todos esperam ver disponíveis nos próximos tempos,) maximizando o quinhão francês.

Os escolhidos anunciados são o ex- diretor do FMI ,Olivier Blanchard e o Nobel Jean Tirole, nomeados para trabalhar, em conjunto, num plano de reestruturação global que, depois, será adoptado pelo Governo e aprovado pelas instâncias competentes. Não consta que os nomes tenham levantado nem grandes aplausos nem enormes clamores. Houve quem gostasse e, certamente, quem não apreciasse a escolha. Ponto final. Nada a apontar.

A criação de uma missão especial,em Portugal, do mesmo tipo,é igualmente normal e até louvável. Era preciso arranjar, para isso , quem pensasse fora da caixa da governação. Capaz de fazer a ponte com partidos, universidades, parceiros sociais e o próprio Governo de forma a optimizar as verbas a disponibilizar pela União Europeia, obedecendo aos objectivos fixados pela Comissão e o Conselho Europeu, mas sem perder de vista os interesses nacionais. Tudo bem.

Encontrar quem o faça de forma o mais profissional, rápida e acima de qualquer conflito de interesses possível era uma tarefa louvável. As personalidades escolhidas por Macron são suficientemente conhecidas e escrutináveis para dispensar apresentações.

Já Costa e Silva não têm nem o mesmo tipo de notoriedade, nem o mesmo tipo de currículo, nem foi sujeito ao mesmo tipo de escrutínio. Pode ser até melhor, pelo menos goza de excelente imprensa (o que vai sendo muito raro neste país), mas falta o resto. Não está em causa a pessoa, mas o processo.

Percebe-se que a nomeação teria de ser feita em tempo record. Estão em causa 26 mil milhões de euros dos quais 15 mil poderão ser a fundo perdido e os13 mil de empréstimos não podem ser desbaratados. Desse ponto de vista, António Costa fez bem em acelerar a existência de um plano estratégico nacional. O pior veio depois.

A forma de recrutamento foi conhecida pelos portugueses, através do Expresso, e não do anúncio feito pelo primeiro-ministro, num debate quinzenal ou mesmo por um simples despacho de nomeação.

O mesmo que será agora , finalmente, publicado. Finalizando o processo pouco transparente e quase amador, candidamente confirmado este fim de semana pelo próprio.Sujeito a um infatigável corrupio de entrevistas em reacção às reacções geradas pela manchete do jornal .Quebrando o secretismo das últimas semanas e denotando um improviso total.

Vejamos:

1. Costa e Silva publica, a 21 de Abril, um artigo no Público onde apresenta, na sua opinião, a estratégia de recuperação económica nacional para os próximos anos.

2. Três dias depois, (aparentemente atraído pela clareza e acerto do artigo!) Costa convoca-o para se conhecerem e, no mesmo instante, convida-o a dar corpo às ideias e elaborar o dito plano de forma a garantir a melhor afectação das verbas que a União está disposta a disponibilizar para a tarefa. Dá-lhe carta branca para falar com os ministros das várias áreas, o que ele aceita e, como bom executivo, mete de imediato mãos à obra.

3. Quatro semanas depois, com três de trabalho já feito, o Expresso dá finalmente a conhecer aos portugueses a existência de tudo, especulando com o facto de Costa e Silva poder estar a ser testado como uma espécie de “para-ministro”, candidato à pasta de Centeno ou Siza Vieira, dependendo de uma escolha de Costa mais próxima do momento de saída do ministro das Finanças.

4. Na notícia, diz-se ainda que o trabalho só começou depois de um primeiro contacto com Matos Fernandes (ministro do Ambiente, que entretanto saberíamos ser também amigo e admirador de Costa e Silva). O encontro teria sido, segundo o semanário, um primeiro passo para avaliar se haveria incompatibilidade ou conflito de interesses, pelo facto de vir da gestão executiva da petrolífera tailandesa (que comprou recentemente à Gulbenkian a Partex de que já era, há muito tempo, gestor) com a nova tarefa. Não havia incompatibilidade, concluiu o ministro.

5. Perante a manchete os partidos pronunciam-se contra negociar o que quer que seja com uma figura não governamental e sem estatuto para o efeito. Os parceiros sociais torcem o nariz e Costa e Silva desdobra-se em declarações que vão confirmando enquanto “desmentem” a noticia inicial: não é nem será nenhum “para-ministro”. Mas sim, é verdade que está a trabalhar no plano, a convite de Costa. Fez “pro-bono” e, em “apenas dois dias”, o essencial do programa de reestruturação a pedido de do primeiro-ministro. Mas, quando escreveu o mágico artigo,e até ao dia em que foi convidado, nem sequer o conhecia. Sim. Depois disso, teve conversações com vários membros do Governo para afinar estratégias. E não, não era sua intenção “negociar com partidos” nem “substituir o primeiro ministro em nenhuma negociação”. Por último, não. Não pretende ocupar nem a pasta de Siza nem a de Centeno. Pelo menos para já.

É pena. Porque os ministros são amplamente escrutinados com obrigações próprias de declaração de rendimentos etc… e as declarações de não incompatibilidade não basta serem feitas por Matos Fernandes, convém que tramitem por comissões de ética ou estruturas de controle um bocadinho mais elaboradas.

E sobretudo o trabalho pro-bono é geralmente louvável, excepto em casos como este: é bom que seja remunerado.Muitíssimo bem remunerado, de forma transparente, de maneira a colocá-lo ao abrigo de qualquer suspeita de subordinação a “lobbys“, em concreto da energia. Onde o historial do país é particularmente negro,sobretudo na velha matéria das “rendas” e da extrema dificuldade de fazer frente aos vários grupos de interesse.

Um dos seus amigos apresenta como vantagem de Costa e Silva o seu conhecimento geográfico por já ter feito negócios nos sítios mais díspares e improváveis. Ver o mundo como um todo, mesmo a partir do Cazaquistão ou dos Emirados, do Canadá ou da China e ter visão de conjunto e estratégica sobre o papel que Portugal pode desempenhar nele é certamente uma mais valia. Mas há outros que têm, desse ponto de vista, o mesmo ou mais currículo e eu não gostaria de os ver a definir o meu futuro nem o dos meus filhos.

Talvez o Dr. António Costa já não nos deva uma palavrinha sobre a bondade da sua escolha pelas piores razões : o para-ministro a nomear pelo tal despacho ,que haverá de sair fruto das circunstâncias talvez já nem seja autor do próprio plano, mas apenas um ajudante “uma espécie de consultor, ou chefe de missão, ou coisa nenhuma…”. Coisa em que o Presidente já disse não lhe levantar qualquer problema. Fica resolvido. Em democracia, a transparência e a prestação de contas é parte integrante do jogo.

Comentários
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  • Amora de Bruegas
    02 jun, 2020 Tomar 14:48
    Em democracia, a transparência e a prestação de contas é parte integrante do jogo. Assim é! Quando a RR me corta opiniões, está agindo de forma dmocrática..., ou do avesso?
  • César Saraiva
    02 jun, 2020 Maia 11:20
    Que "Granda Nóia!"... Que estrondosa humilhação para os Ministros e seus demais assessores!... Então, para elaborar um "Parecer Não Vinculativo", não estou eu aqui?!...