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Opinião de Graça Franco
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Opinião

Não é a economia, é só para ficar em casa… estúpidos!

13 nov, 2020 • Opinião de Graça Franco


Percebo que, sem compras, não se consegue dar de comer à economia. E, sem isso, à lista de mortos vão somar-se os desempregados e os famintos. Mas se os jovens em geral não morrem, os idosos sim. E a sua morte é dada como certa. Talvez às centenas. Não sabemos. Só sabemos que os números vão ainda piorar. Qual é a parte do ”é para ficar em casa" que ainda não percebemos?!

Posso estar a ser injusta. Não queria estar na pele de nenhum deles. Mas não há forma de opinar com certezas. Nem os dados ajudam, nem os especialistas, nem sequer o confronto com a realidade que os jornalistas, no terreno, vão fornecendo à redação.

Os testemunhos dos médicos e enfermeiros não deixam dúvidas: o tsunami que se adivinhava em junho parece estar a ser combatido, cinco meses depois, com os mesmos sacos e a mesma areia, onde enterramos as cabeças e nos atiram aos olhos, e pelos mesmos homens e mulheres de sempre que enfiaram as braçadeiras do socorro a náufragos e que não dormem desde março.

O desnorte é total. Os números matraqueados, todos os dias, não ajudam a perceber o que de facto se está a passar. E se não há ideologia a mais e cooperação a menos, além do colapso do SNS assistimos também ao colapso privado. Os surtos multiplicam-se. Eram lares, agora é um pouco de tudo -- empresas, corporações de bombeiros, ou prisões. Descobertos sempre da mesma forma.

Sabe-se lá porquê “fulanito” testou positivo, e a correr testam-se, finalmente, todos. Conclusão: 20, 50, 100, ou até mais se os houver, já estavam todos infetados. E vão ser imediatamente separados dos que por acaso testaram negativo: 5, 10, 20? Depende da dimensão da instituição onde se deu a descoberta. Quem fica a tratar dos doentes? Os assintomáticos. E os outros? Ficam noutra ala, noutra instituição, noutra terra se já não restar lugar ali.

Perdemo-nos nos milhares dos números diários. Isso é o quê? Os curados (bela lembrança de Marcelo para tornar os quadros ainda mais confusos). E esses outros milhares? (os infetados desde ontem? Não, os internados!) . E aqueles? Os que estão em cuidados intensivos. E esses? Os mortos. Tantos? Pois.

Talvez se devessem substituir tantas informações que mais parecem o boletim meteorológico por uma única: a lista nominal dos mortos. Assim teríamos uma melhor ideia do que significa o boletim da DGS. Menos curvas, menos achatamentos, menos desculpas e menos teorias sobre a falta de senso dos nossos concidadãos. E, sobretudo, menos perda de tempo de quem não tem, ou não devia ter, tempo a perder.

As conferências de imprensa seriam substituídas por uma única informação. O dr. Lacerda dava uma palavra de boas vindas e o adjunto do subchefe do chefe de gabinete da diretora adjunta da diretora-geral anunciava com voz pesarosa: “Passamos então a revelar os nomes dos mortos de hoje (pausa). Aureliano Matos Lopes, Auzenda Fazenda, Domítilia Barreira (…) José Ferreira Mindinho, Manual Francisco Silva, Maria Violeta Ferreiro e assim sucessivamente até ao septuagésimo oitavo: Zélia Manhão de Almeida”.

Quem quisesse chegava à redação e contactava mais dois ou três hospitais cujos dados não tinham chegado a tempo à central de informação e somava os restantes, para reduzir falhas e erros de pormenor.

São nomes falsos, mas fossem verdadeiros e por detrás deles estariam as famílias inteiras, velhos amigos, colegas, vizinhos , conhecidos, à espera de saber, colados às rádios e TVs , ávidos a comprar jornais, quem sucumbira à guerra, e perecera na frente de batalha. Gente lá do lar, do centro de dia, ou da solidão dos montes. Poupava-se nas análises, nas explicações, evitavam-se contradições. Acabam-se com os debates. Dizia-se o que se diz em casos de catástrofe e emergência, apenas o essencial. Quem morreu.

E em matéria de números a coisa reduzia-se aos que permaneciam desaparecidos entre os corredores dos hospitais, as salas de espera improvisadas, as tendas de campanha montadas ao ar livre para triagens várias, e os quartos “isolados” lá de casa ou das variadíssimas instituições vagamente requisitadas para o efeito, clubes desportivos, santas casas, ou seminários.

Nas guerras também é assim. Já aqui relatei uma vez o que ouvi de uma freira que, na Síria, quando apenas as escolas e o comércio alimentar estavam a funcionar, e ao soar o alarme de bombardeamento as pessoas fugiam o mais rápido que podiam em direção aos abrigos na residência universitária, onde morava. Durante a fuga, estranharam a atitude de uma aluna decidida a voltar para trás. Que fazes? Vou buscar a mochila porque, se sobreviver a este, tenho, na terça, teste de matemática.

Não estamos aí. Mas às vezes só a caricatura nos abre os olhos para a realidade. Vamo-nos habituando e parece que, a par desta desgraça, só se pensa nas compras. “Vamos ao supermercado a que horas? Compramos os brinquedos para as crianças este fim de semana? É prudente. Parece que às 6h30 já podemos. Até quando? Às 13h há recolher obrigatório”.

Percebo que, sem compras, não se consegue dar de comer à economia. E, sem isso, à lista de mortos vão somar-se os desempregados e os famintos.

Os jovens em geral não morrem! A frase dita por Óscar Felgueiras numa das muitas análises televisivas que, ao longo do dia, nos vão acompanhando o teletrabalho chama a atenção, pela banalidade. Passa pouco das quatro e está enquadrada numa previsão do agravamento do número de mortes, maioritariamente de idosos, durante a próxima semana, e por isso ganha outra força.

Os jovens em geral não morrem. Mas os idosos sim. E a sua morte é dada como certa. Talvez às centenas. Não sabemos. Só sabemos que os números vão ainda piorar. Antes de se revelar o impacto das medidas de recolher obrigatório. Vão piorar e possivelmente colocar-nos na situação que o conselho de ética da Ordem dos Médicos gostaria de orientar: o problema da escolha. Não é constitucional, garantem os especialistas. Talvez, mas eles não são os médicos de serviço. Exaustos, sem meios, a decidir em plena batalha quem pode sobreviver.

Levanta-se a questão: e o que podemos fazer para o impedir? Nada. Já devíamos ter feito. Isto é o efeito de há duas semanas. Dos jantares de família, dos lanches escolares? Dos cafés com amigos? Para o fazer tinha sido precisa mais coragem e melhor planeamento. Parar tudo. Poupava vidas, mas quanto custariam em desemprego e falências, fome e desespero, essa decisão? Não critico. Pergunto.

E agora? O sistema já está em sobrecarga, sobretudo a Norte, onde os hospitais já se encontram rodeados de tendas de campanha e onde os médicos e enfermeiros começam a deixar o discurso politicamente correto para adotar a denúncia da impotência total. Não é possível tratar três vezes mais doentes com os mesmos meios humanos.

Há uns dias vimos Marta Themido num desses hospitais, em visita, mas sem nenhuma confusão à volta. O que se passou então?

A segunda vaga da pandemia de Covid-19 teria, segundo o especialista, tido origem num avolumar de casos entre a população ativa mais jovem, só depois viria a atingir de novo os mais velhos, entre os quais a mortalidade da doença é muitíssimo maior.

Vamos ficar mais pobres. Económica, social e culturalmente, e até familiarmente com os nossos maiores a partirem mais cedo, no meio desta pandemia desnorteada onde nada parece poder ser contido dentro de um mínimo de racionalidade.

Nem na mensagem existe coerência. A culpa é minha, diz Marcelo. Claro que só posso ser eu o culpado, assume humildemente Costa, depois de sete horas de Conselho de Ministros que se resume a um passar de 121 concelhos em estado de emergência para 191. A culpa desta vez tem noivos. Veremos se casa.

Havia ainda uma notícia adicional: não vai dar para contornar a lei. Ao sábado e domingo o comércio só poderá abrir normalmente das 8h às 13h, ou talvez não exatamente às 13h, porque a essa hora começa o recolher obrigatório. É só fazer as contas. Ou seja, fecha às (?) …bom, a tempo de tudo estar em casa a partir das 13h. Com as devidas exceções. Mas essas são pouquíssimas: funerárias, lojas de comida para cães e gatos, gasolineiras, enfim… as óbvias.

Qual é a parte do ”é para ficar em casa" que ainda não percebemos?! Nem nós, nem o próprio Governo. É assim tão complicado?

Comentários
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  • Artur Moreira
    16 nov, 2020 Porto 15:48
    Falar, falar e não dizer nada... O que ou a quem ajudou este artigo?!... Qual o contributo, positivo, para ajudar a encarar o problema?!... O jornalista não tem, também, essa obrigação, ou é só criticar sem opinar no sentido da ajuda para a obtenção de uma solução?!... Quem viu esta senhora e quem a vê? Será por culpa do Covid?!... Tenho pena.
  • Ivo Pestana
    14 nov, 2020 Funchal 13:27
    É assim, devemos sair só por força maior, isto é para evitar os contágios galopantes. Nesta fase temos de fazer um sacrifício em nome da saúde. O povo não quer restrições, sacrifícios, mas será que quer doença e morte?
  • Jp
    14 nov, 2020 Lisboa 11:29
    Provavelmente ainda não lhe ocorreu que mortos há todos os dias. Provavelmente não sabe que, só no ano passado, de gripe, morreram 3..300 portugueses, 43.000 de doenças cardíacas, etc.... Morrer de Covid significa apensa que não morreu de Cancro, atropelado, diabetes, coração, queimado (pode ir adicionando as restantes 350.000.000 formas de morrer. Temos de ter cuidados? Sim. Entrar em histeria e parar a vida??? Não. Lamento as mortes, a próxima poderá ser a minha, quem sabe, mas....... enquanto estou vivo, quero viver. Não temos de ter festas gigantescas, discoteca e milhares em bares mas temos de ter o suficiente para, pelo menos, aparentar e dar às pessoas uma certa normalidade e conforto. Invistam a sério no SNS, prioritário os mais vulneraveis e vamos lá seguir com a vida. Claro que a Senhora e os seus se podem trancar em casa, ninguém os proíbe, estejam à vontade. Já agora, Sr. Costa e Professor Selfies, não voto em vocês na próxima eleições...