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REPORTAGEM EURANET NA SUÉCIA-FILIPE AVILLEZ 2019.02.04

​Reportagem Euranet

Södertälje: na Suécia, há um exemplo de integração

04 fev, 2019 • Filipe Avillez com Pedro Caeiro


Tendo como ponto de partida um dérbi de futebol entre duas equipas de minorias étnicas na cidade sueca de Södertälje, que tem a maior concentração de cristãos do Médio Oriente no mundo ocidental, o repórter Filipe d’Avillez foi tomar o pulso à vida destes imigrantes e perceber em que é que a União Europeia tem sido um apoio à integração naquele país.

Os cristãos do Médio Oriente têm muito com que se preocupar: guerra civil na Síria, instabilidade no Iraque e no Curdistão, perspetivas económicas cada vez mais reduzidas nas suas terras ancestrais. Mas também há momentos de distração, que pode passar por um “simples” jogo de futebol. Mas não é um jogo qualquer. É um dérbi entre o Assyriska, que representa a comunidade cristã oriunda de uma região que abrange parte da Síria, da Turquia e do Iraque, e o Syrianska, um clube que se considera representante da comunidade cristã oriunda de uma região que abrange parte da Síria, da Turquia e do Iraque. Ambos estão na 3ª divisão sueca.

Nas bancadas, a reportagem da Renascença encontrou adeptos que contaram de onde vieram e como chegaram à Suécia. E qual o acolhimento que tiveram. Recordam como vieram do Líbano, fugidos da Turquia, e como - entre 1967 e 1968 - a Cruz Vermelha financiou voos completos para Estocolmo “onde precisavam de mão-de-obra”.

Hoje são cerca de 35 mil os membros desta comunidade, mais de um terço da população da cidade. A mais recente onda de refugiados rumo a Södertälje foi motivada pela perseguição por parte do autoproclamado Estado Islâmico.

Integração

A imigração e a questão dos refugiados estão na ordem do dia na Suécia, pelo grande influxo de refugiados vindos sobretudo do Médio Oriente e África nos últimos anos. O partido de extrema-direita Democratas Suecos subiu muito nas últimas eleições com um discurso eurocético e anti-imigrantes. Mas aquilo para que a Suécia acorda agora já é realidade há anos em Södertälje.

“Recebemos uma média de mil refugiados, todos os anos, há 10 anos seguidos. Vêm cá representantes de outras cidades e de outros países para ver como são as coisas. Alguns jornalistas vêm para escrever sobre a terrível cidade de Södertälje, mas quando chegam veem outra coisa, que choca com os seus preconceitos”, diz Boal Godner, presidente da Câmara e membro do Partido Social Democrata, que é socialista.

A cidade já não se imagina sem a comunidade siríaca. “É um terço da nossa população. Acho fantástico e desafiante. Ter estes padrões exóticos do Médio Oriente como parte da nossa cidade é uma coisa mágica”, acrescenta.

A autarca tem apenas uma grande queixa. A lei permite aos imigrantes deslocarem-se livremente no país, em vez de os obrigar a fixarem-se num dado local até terem a sua situação regularizada. “O resultado é que os siríacos vêm todos para aqui, porque já existe uma comunidade, têm aqui as suas igrejas”, explica. Isso leva a sobrelotação, um mercado negro em termos de alojamento, a tentação da autossegregação e uma taxa de desemprego que é cerca de duas vezes superior à média nacional.

A União Europeia está a tentar ajudar neste campo. O programa MAP2020, financiado por Bruxelas, trabalha com cerca de 500 pessoas que procura inserir no mercado laboral. Dois terços são mulheres com mais de 40 anos, que nunca tiveram um emprego nem têm estudos; quase todas são da comunidade siríaca. “Torna muito difícil arranjar emprego, ainda que o mercado esteja bom”, explica Helén Bjornsdotter, que gere o programa.

E o mercado está bom. Está tão bom que outra agência da União Europeia, a EURES, dedica-se essencialmente a recrutar mão-de-obra de outros países europeus. “Procuramos muito enfermeiras, pessoal para a área da saúde, mas também engenheiros, cozinheiros e professores”, explica uma das responsáveis, Pia Nilssen, que diz que tem havido muito interesse de portugueses em emigrar para a Suécia.

É em Södertälje que encontramos a sede de duas das principais empresas da Suécia, a Scania e a AstraZeneca, respetivamente do ramo automóvel e farmacêutico, que juntas empregam dezenas de milhares de pessoas. “No ano passado faturámos 11 mil milhões de euros, mil milhões dos quais foram lucro. Empregamos 52 mil pessoas ao todo, cerca de 15 mil aqui em Södertälje”, explica Hans-Ake Danielsson, do departamento de comunicação da Scania.

“Empresas como a nossa têm beneficiado muito da União Europeia, não só no que diz respeito ao livre comércio de bens, mas também de mão-de-obra. Temos aqui pessoas de todos os países da Europa. A União Europeia tem sido boa para a economia sueca em geral.”

Tradicionalmente os siríacos que chegam a Södertälje optam por abrir restaurantes e salões de beleza, ou negócios semelhantes, mas alguns trabalham também na indústria. “O que vemos agora é que os da segunda ou terceira geração, que já foram à universidade, começam a trabalhar aqui como contabilistas ou engenheiros”, explica Danielsson.

A dificuldade em Södertälje não é, por isso, falta de oferta, mas sim a falta de qualificação, sobretudo das mulheres que compõem o programa MAP2020.

“Um dos nossos objetivos era diminuir a diferença entre homens e mulheres que completam o programa com sucesso. Temos tido bons resultados, cerca de 44% das mulheres no projeto conseguiram arranjar emprego”, aponta Helén, acrescentando que a principal dificuldade para muitos é o domínio da língua sueca.

No geral, reconhece, os siríacos estão bem integrados, mas há problemas. “Há um grupo que não está. Construíram a sua vida em torno do subsídio. Não é uma vida especialmente boa, mas para alguns chega. Muitos deles têm tudo o que precisam, têm a igreja e têm a família.”

Ambiente político sueco cada vez menos amistoso

A Suécia recebeu muitos imigrantes e refugiados nos últimos anos, levando a um aumento do sentimento de intolerância para com os estrangeiros, com consequente subida da extrema-direita, o Democratas Suecos. Curiosamente, porém, a ascensão nacional do partido não tem tido reflexo em Södertälje, o que parece indicar que a comunidade está de facto bem integrada.

Andreas Birgersson, membro do partido na cidade, sublinha que há ainda alguns problemas. “Muitas das pessoas que vieram para cá do Médio Oriente adaptaram-se e querem contribuir para a sociedade. Abrem negócios, arranjam empregos, são educados. E isso é bom, é precisamente isso que queremos.”

“Mas tem vindo tanta gente que isso torna difícil arranjar emprego depressa. Leva muito tempo. E isso leva a que algumas pessoas sejam segregadas, o que por sua vez é caminho aberto para a formação de gangues e grupos criminosos. Em Södertälje isso aconteceu, a polícia conseguiu prender muitos deles há cinco ou seis anos, mas agora estão a sair em liberdade outra vez e alguns problemas estão a voltar.”

Birgersson diz ainda que muitos dos cristãos siríacos de Södertälje partilham das preocupações do seu partido, nomeadamente quanto ao crescimento do fundamentalismo islâmico entre algumas comunidades. “Eles estão muito preocupados com isso, porque muitos deles fugiram precisamente de sociedades e países de maioria islâmica onde foram perseguidos por extremistas, e temem que isso venha a acontecer aqui também.”

O ativista siríaco Metin Rhawi confirma que há siríacos que se “deixam enganar” pela propaganda da extrema-direita. Ele não é um deles. “Os jovens não se lembram, mas os da minha geração sim. No meu tempo lutámos muitas vezes contra os skinheads. Se nos apanhassem sozinhos era perigoso. São os mesmos, só que agora vestem-se como nós.”

Já com os democratas cristãos, um partido histórico de direita, as relações são muito mais tranquilas. Para além de ter deputados siríacos, o partido tem sido dos principais defensores das causas dos cristãos do Médio Oriente nas instâncias políticas, tanto na Suécia como em Bruxelas.

David Winerdal é o líder dos democratas em Södertälje e não esconde a sua estima pela comunidade siríaca. “Muitos deles integraram-se na sociedade sueca e não é difícil imaginar o seu futuro na Suécia, porque já são um de nós.”

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

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