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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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​NEM ATEU, NEM FARISEU

Não tens o direito de me levar para o teu suicídio

03 fev, 2017 • Opinião de Henrique Raposo


O suicídio é um mal absoluto que espalha a dor de forma única entre os vivos, mas a verdade é esta: todos os seres humanos têm à sua disposição essa liberdade radical.

Não, meu caro amigo, não podes levar o debate da eutanásia para o campo da liberdade individual. Não estamos a falar de liberdade de escolha, de vouchers para escolas ou de seguros de saúde. Estamos a falar de morte.

Quando dizes “eu quero a liberdade para escolher a hora da minha morte”, entras de cabeça num terreno movediço e egoísta. Sim, egoísta. Só estás a ver o teu reflexo narcísico, estás a pensar a partir do pressuposto de que controlas 100% da tua vida, é como se fosses um pequeno deus que decide tudo sozinho sobre si mesmo. Será que também nasceste sozinho? Foste criado por geração espontânea num acto da tua própria vontade quando ainda estavas no estado gasoso? Como mergulhaste tão fundo neste lago narcísico, esqueces que o teu desejo de eutanásia entra no perímetro da liberdade de outras pessoas, a começar nos médicos, a começar nos outros cidadãos que teriam de aceitar viver num estado que não sacraliza a vida.

Mas continuemos a falar da tua liberdade. Tu tens toda a liberdade do mundo para cometer suicídio. Nem sabes nem sonhas como é fácil. O suicídio é um mal absoluto que espalha a dor de forma única entre os vivos, mas a verdade é esta: todos os seres humanos têm à sua disposição essa liberdade radical.

Tu, meu caro amigo, podes suicidar-te. Tens essa liberdade. Não tens é a liberdade para me chamar para esse suicídio, não tens é o direito de me convocar para a tua morte. A minha liberdade de consciência é tão importante como a tua, e o que me parece espantoso neste debate é que está tudo centrado em quem quer morrer. O pormenor decisivo está a ser esquecido: alguém tem de apertar a seringa até ao fim, alguém tem de matar.

Não, não fujas da palavra: é matar. Não é “dar morte digna”, não é “a morte como escolha”, não é “anular”, “acabar”, “por fim”. É matar. E repara que te respeito. Não estou a dizer que é “assassinar”. Quem defende a eutanásia não está a defender o homicídio. Já li e ouvi posições do campo do “não” que cometem este excesso retórico. Não faz sentido. A eutanásia entra num campo ambíguo, remete para situações difíceis e cinzentas que toda a gente já sentiu. Mas, se não posso dizer que “eutanásia” é sinónimo de “homicídio”, posso e devo dizer que a lei que tu desejas abre a porta a homicídios de facto. Não, não estou especular. Estou apenas a olhar para a realidade da Bélgica e da Holanda, esses paradigmas do “progresso” que é cada vez mais um disfarce do regresso da barbárie pagã. Queres um exemplo? Dezenas e dezenas de doentes mentais estão a ser atirados para a eutanásia por psiquiatras.

Ora, se a eutanásia é uma escolha consciente e livre, como é que pessoas inimputáveis (isto é, incapazes de escolhas conscientes) são atiradas para as salas da eutanásia? Isto não é só um absurdo lógico, é um conjunto de homicídios.

Meu caro amigo, repara portanto na caixa de Pandora que a tua lei pode abrir. Não, já não estou a falar do teu suicídio higiénico e planeado como se fosse um business plan. Estou a falar de psiquiatras que atiram pessoas (jovens e crianças incluídas) para as salas de eutanásia. Estamos muito longe dos tetraplégicos ou da oncologia terminal, estamos a falar de pessoas com doenças mentais que são assassinadas não se sabe bem porquê.

Nos últimos dois anos e só na Bélgica, o sistema matou 5 pessoas com esquizofrenia, 5 com autismo, 8 com desordem bipolar, 29 com demência e 39 com depressão. Repara no absurdo: se tivessem cometido um homicídio, estes doentes mentais teriam sido considerados inimputáveis por razões óbvias. Então como é que acabaram na sala de uma eutanásia que dependia – em teoria – de uma imputabilidade moral e jurídica que eles já não tinham? Não, não me venhas com a conversa da liberdade de escolha, não me chames para a tua morte e, acima de tudo, não abras a porta à barbárie já visível na Bélgica e na Holanda. Não podes dizer que não sabias.

Comentários
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  • Paulo Vasco
    10 fev, 2017 Santa Comba Dão 22:28
    Obrigado por despertar outros pontos de vista e a reflexão.
  • João Mourinho
    08 fev, 2017 Sendim 15:11
    Excelente artigo. Os meus parabéns, que sirva para nos fazer reflectir sobre a necessidade de termos uma postura humilde perante a incapacidade humana de controlar o tempo e os acontecimentos - a começar no seu próprio nascimento. E portanto, uma atitude humilde perante a morte, perante os que nos rodeiam, de ter o cuidado de não os envolver em decisões com as quais possam não concordar, como é o acaso do homicídio a pedido.
  • Ricardo Canha
    07 fev, 2017 Santarém 18:10
    Seguindo a lógica do seu argumento, vamos proibir as armas todas (incluindo as das forças de segurança) porque elas podem ser usadas para matar pessoas, ou seja, cometer homicídios.
  • 07 fev, 2017 16:26
    "El derecho de nacer parte de una verdad: el deseo de placer. El derecho de morir parte de otra verdad: el deseo de no sufrir. La razón ética pone el bien o el mal en cada uno de los actos. Un hijo concebido contra la voluntad de la mujer es un crimen. Una muerte contra la voluntad de la persona también. Pero un hijo deseado y concebido por amor es, obviamente, un bien. Una muerte deseada para liberarse de un dolor irremediable, también". Y añadía: "Ninguna libertad puede estar construida sobre una tiranía. Ninguna justicia sobre una injusticia o dolor. Ningún bien universal sobre un sufrimiento injusto". Ramon Sampedro
  • Roberto
    06 fev, 2017 Lisboa 15:56
    Nada como ver os resultados da mesma lei da eutanásia na Holanda.Pesquisem na net---idosos abandonam Holanda por causa da lei da eutanásia e retirem conclusões.
  • Nica Macedo
    05 fev, 2017 Oeiras 17:59
    Henrique só discordo quando vc diz que não é uma escolha - É! Mas também tem razão quando escreve isto - Não tens é a liberdade para me chamar para esse suicídio, não tens é o direito de me convocar para a tua morte.
  • Vera
    05 fev, 2017 Palmela 16:14
    Sr. Alexandre, não lhe chamo o 'Grande' porque Alexandria já ficou para trás no tempo, há muito!... e por intuição minha, este não é o seu verdadeiro nome, escolheu-o simplesmente para se tornar 'Grande' em relação àqueles a quem chama medíocres!!! a mim não me tocou, porque a mediocridade ainda não me bateu à porta! mas, só lhe respondo, para sua informação: tenho uma prima que é médica no IPO! Tive 3 familiares que morreram desse mal! Eu não tenho uma saúde que faça inveja a qualquer um! mas naquilo que eu acredito, só a mim, me diz respeito! que, por acaso e neste caso, não é só a mim! mas enfim... Não tenho o costume de entrar pela porta que eu acho errada, só para agradar aos outros! e como não me vejo só a mim, a ser empurrada para essa porta, eu defendo, que não assino termo de responsabilidade, sobre essa lei, que mata! aceito Leis (sobre a vida), só as que vêm de Deus! os homens têm outras Leis, a que devem dar mais atenção... e já agora, V.Exª de certeza, que não tem uma prima como eu tenho, que agora, com 70 anos, foi posta ao relento, porque o valor do aumento da renda actual, é o dobro da reforma que recebe... Acho que Alexandre Magno, não fazia esta lei dos senhorios, assim como esta foi feita: igual para todos... Boa tarde.
  • Ângela Veloso
    05 fev, 2017 Lisboa 13:55
    O exemplo aqui apontado por João Gonçalves é estranho, pois estamos aqui a debater a eutanásia para seres humanos e não aplicado em animais. Se quiser um melhor exemplo de como esta lei faz falta em Portugal, tem um exemplo mais concreto num ser humano que, faz um ano, morreu de cancro na cabeça. Antes de morrer e sabendo que pouco tempo lhe faltava de vida, quis matar-se com cianeto. Como ninguém o ajudou a morrer, pois já nenhuma esperança tinha em viver, teve de sofrer até ao fim. Perdeu os olhos e as faculdades cognitivas. Quando morreu, era apenas um vegetal. O seu caixão teve de ser tapado para que o seu rosto não fosse visto. Será este triste final que Henrique Raposo defende para o ser humano? A eutanásia ainda pode ter uma função nobre, ao servir para nos poupar de cenas humilhantes e degradantes como aquela que eu relatei aqui.
  • ALETO
    04 fev, 2017 Lisboa 15:11
    Já percebi que a Renascença e Henrique Raposo voltaram à censura de comentários que não vão a favor do artigo acima escrito. Quando isto acontece, vemos desespero e falta de democracia nesta estação de informação. Querem à força fazer com que aceitemos as ideias erradas de Henrique Raposo e que sigamos uma conduta igual como havia na idade média.
  • João Gonçalves
    04 fev, 2017 Praia da Vitória 12:19
    Complicado, complicado ……….. pessoalmente sou genericamente contra a eutanásia pela porta de abre e por não confiar nos porteiros. O artigo levanta varias questões, porem a maioria no campo teórico, pouco li sobre o sofrimento, também nada vi sobre experiencias vividas pelo autor, teoria e pratica como todos sabem (ou deveriam saber) são bem diferentes, partilho aqui um pouco de mim. Eu já matei (sim o termo é mesmo esse) um gato com uns meses e um cão velhíssimo e doente, é algo que me tem acompanhado e me irá acompanhar para sempre com um peso que apenas eu sei! O gatinho eu tinha 8 anos e encontrei-o junto a estrada (tinha sido atropelado e a experiencia de hoje deveria ter a espinha partida), levei-o para casa, porem foi-me ordenado para voltar o pô-lo onde o tinha encontrado, andei umas duas horas com ele sem saber o que fazer e depois coloquei-o num saco e atirei-o ao rio, chorei e chorei (como o estou a fazer agora) como nunca tinha chorado ……. O Cão (Princesa, uma cadela fantástica) foi por escolha, já bem adulto, animal velhíssimo cheio de tumores em o mínimo movimento era feito com sofrimento em que os ganidos faziam eco dum sofrimento atroz, 3 veterinários apenas apontaram para o abate como única solução, decidi ser eu o carrasco e acompanhei-a até o ultimo suspiro acariciando e falando com ela, por ela e por mim! Agora seres humanos, o que fazer??? Deixar com está??? É comodo nada fazer deixar nas mãos duma coisa que ninguém conhece a que chamam deus ou qualquer coisa parecida. Apenas uma reflexão, nem mais nem menos