28 abr, 2017
“Os cães não são coisas”, “quem não gosta de animais não é boa pessoa”, “eles (os cães) vêem sempre quem é boa ou má pessoa”, “gosto tanto dos meus cães como dos meus filhos”, “ter um cão ensinou-me a ser pai/mãe”, “os animais têm a mesma dignidade dos homens” e, claro, “os animais são mais humanos do que os próprios homens”. Estas e outras frases já fazem parte da poluição sonora que nos apascenta. O que até é compreensível. Este animalismo pagão é o reflexo de uma sociedade de gente sozinha, triste e com enorme doses de ressentimento por tratar.
O animalista é quase sempre uma pessoa que respira raiva contra outras pessoas, contra o ex-marido, contra a ex-mulher, contra a nora, contra a humanidade em geral, esse vírus que consome a mãe natureza. O alegado amor pelos animais é só uma forma de sublimar esse ódio galopante. É compreensível.
Somos uma sociedade de divórcios, de relações instáveis, de filhos únicos, de idosos solitários que passam meses sem ver os filhos ou netos. Não há primos ou irmãos, não há tios ou tias, não há netos ou avós, não há maridos e mulheres. Neste deserto emocional, é evidente que muitas pessoas transferem as emoções para os animais; cães e gatos funcionam como espelhos passivos onde são projectados afectos e ressentimentos. “Os cães são fiéis, ao contrário das pessoas”. Tudo isto é compreensível, sem dúvida, mas há limites. E este animalismo já passou há muito os limites morais de uma sociedade civilizada.
Quem é que recebe a maior onda de indignação? O toureiro que fere um touro ou o dono do rottweiller ou pittbul que mata um bebé? A resposta é o primeiro. E o poço é ainda mais fundo. O cão recebe uma campanha de compreensão na internet. As pessoas lembram-se do nome do cão assassino e não do nome do bebé assassinado. A humanização do animal (o abate é visto como um “assassínio”) causa assim a desumanização do bebé, da criança, do ser humano.
O espantoso é que esta tribo animalista equipara moralmente uma pessoa a um cão com uma vaidade moral que faz lembrar os marxistas dos anos 50. Julgam-se superiores, acham que são a vanguarda moral, julgam-se super-humanos. E, tal como as ideologias do passado, esta hubris esconde a sua intrínseca desumanidade.
Ao equivaler o cão ao homem, o animalismo dessacraliza a vida humana, dessacraliza os direitos humanos, atira a vida humana para o estado da natureza. Os exemplos desta desumanidade já são às dezenas. O parlamento que criminaliza o abandono de animais é o mesmo parlamento que recusa criminalizar o abandono de idosos. O PAN recusa barrigas de aluguer no gado suíno mas apoia as barrigas de aluguer em pessoas. Começa a ganhar força a ideia de que um animal “consciente” tem mais valor do que um ser humano inconsciente. Exagero? Lembrem-se das declarações do líder do PAN: “há mais características humanas num chimpanzé ou num cão do que num ser humano em coma”. Portanto, se seguíssemos esta lógica, teríamos de dizer que o abate de um cão é mais indecente do que a eutanásia de um homem em coma. Se repararem bem, já lá estamos, já vivemos nesta lógica: o ar do tempo defende a eutanásia enquanto grita histericamente contra o “assassínio” de um cão.
Rir ou chorar? A sociedade que se cala ante o aborto, ante a eutanásia, ante a eugenia cada vez mais aberta, ante a nanotecnologia que cria um futuro pós-humano, ante as barrigas de aluguer que transformam bebés em bens que se podem comprar, enfim, esta sociedade que transforma o humano numa coisa é a mesmíssima sociedade que grita histérica “os animais não são coisas”.