17 nov, 2017
As denúncias de assédio e violação têm sido apresentadas através da narrativa anti-patriarcal, ou seja, fazem parte de uma campanha contra os códigos sociais construídos em redor dos vícios masculinos. Não tenho problemas com esta narrativa. O homem é de facto o predador sexual por excelência. No entanto, denunciar o “patriarcado”, o “machismo”, o “marialvismo”, etc. é apenas metade desta conversa.
Se queremos ser sérios, também temos de denunciar a revolução sexual dos anos 60 e 70, que continua a ser a fonte da moral que respiramos. O machismo de Weinstein e demais predadores agora denunciados não existe num vácuo ahistórico, não está pendurado numa condição masculina abstracta ou eterna. Pelo contrário, o marialva à Weinstein é filho da "revolução sexual" e da (alegada) libertação dos costumes.
Weinstein tem razão quando diz que “cresceu nos anos 60 e 70, época em que as regras eram diferentes”. Que regras eram essas? A regra era a inexistência de regras, porque qualquer código moral que impusesse limites e filtros ao instinto sexual era de imediato alcunhado de “moralista”, “religioso”, “retrógrado”; cada um devia viver a sua personalidade sexual sem qualquer tipo de entrave. O pós-verdade factual, ético e sexual não foi inventado por Trump, mas sim pela esquerda dos anos 60. Naquele contexto do Maio de 68 e afins, a predação sexual foi legitimada pela retórica da “revolução sexual”, porque estava tudo bem desde que houvesse transgressão. A moral deixou de ser substantiva e passou a ser formal: se um determinado acto sexual correspondesse à transgressão de uma regra, então esse acto era bom; transgredir tinha sempre um certo charme.
Querem exemplos? Hollywood e Cannes, as pátrias de Weinstein, desculparam e/ou romantizaram Roman Polanski, o homem que drogou e sodomizou uma miúda de 13 anos; a cultura do Maio de 68 legitimou ou desdramatizou a pedofilia assumida por um dos gurus do Maio de 68, Cohn-Bendit; Bill Clinton foi e continua a ser desculpado. Não sejamos portanto hipócritas. A predação sexual sobre mulheres e crianças fez parte da cultura da “revolução sexual”; o abuso de mulheres e de crianças pôde ser feito sob a capa da liberdade ou da libertação em relação aos códigos morais do passado. Como dizia há dias Ross Douthat no “The New York Times”, a retórica da “revolução dos costumes” legitimou um espírito dionisíaco cruel e amoral, que foi e continua a ser a continuação do patriarcado por outros meios.
Portanto, a sociedade que – a jusante – denuncia Weinstein não pode ser a sociedade que recusa – a montante – o pudor enquanto princípio moral; a sociedade que se revolta contra a “cultura de violação” não pode ser a sociedade que vê no sexo um mero divertimento sem consequência. Por outras palavras, quem é contra Weinstein tem de ser contra o Tinder.
O facto mais curioso de toda esta polémica parece ser a evolução do feminismo. Ao longo de todas estas décadas, as feministas pactuaram com a retórica da revolução sexual, impondo a imagem da mulher a libertar-se dos códigos patriarcais do passado. Mas hoje são cada vez mais as mulheres que afirmam que a tal revolução sexual só beneficiou o machismo de sempre e que, em grande medida, o feminismo tem feito o jogo do marialva. O feminismo vive num momento histórico fascinante, porque mais cedo ou mais tarde vai ter de admitir que um regresso ao pudor e à discrição será a grande conquista das mulheres e dos homens interessados na diminuição dos casos de assédio e violação. Não, não se está a pedir o regresso ao tempo da abstinência e da diabolização do sexo antes do casamento. Pede-se outra coisa: quem educar as filhas e sobretudo os filhos no pressuposto de que o sexo só faz sentido num contexto de amor não pode continuar a ser visto como “moralista” ou “retrógrado”; deve ser visto, isso sim, como alguém preocupado com a decência.