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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

Podemos falar de suicídio (não de eutanásia)?

09 mar, 2018 • Opinião de Henrique Raposo


Nos EUA há cerca de 30 mil homicídios por ano, mas há 44 mil suicídios. Porque é que os homicídios têm 99% da atenção mediática, política, narrativa, cinematográfica, televisiva, literária?

Para mim é incompreensível: fala-se do suicídio a pedido (eutanásia) mas não se fala do suicídio propriamente dito; há uma avalanche mediática que exige às pessoas uma opinião sobre a eutanásia, mas, ao mesmo tempo, é mantido o código de silêncio sobre os suicídios.

Fala-se do senhor que exige que o matem no hospital, mas não se fala do senhor que se atira da ponte ou que se enforca na árvore. Dizem-me que não se fala deste suicídio normal porque a discussão pública pode gerar mais casos. Julgo que essa tese não faz sentido. Apesar deste código de silêncio, a taxa de suicídio está a subir um pouco por todo o lado. Mais: se é essa a razão de ser do silêncio, porque é que se fala tanto de eutanásia? Tamanha campanha mediática em redor da eutanásia não é em si mesmo um estímulo aos suicidas? Portanto, se querem falar de eutanásia, também temos de falar de suicídio. Por todo o ocidente, a taxa de suicídio está a aumentar entre adolescentes e jovens. Da mesma forma, o suicídio entre os trabalhadores brancos e pobres é uma catástrofe crescente. Os homens americanos e ingleses entre os 20 e os 60 anos têm no suicídio a grande causa de morte. Podemos ouvi-los?

Como diz Andrew Solomon no livro “O Demónio da Depressão”, existe a ideia generalizada de que a depressão é uma chaga de classe média ou de ricos. Os próprios pobres partilham esta ideia. Sim, os trabalhadores mais pobres, sobretudo homens, vêem a depressão como vêem o carrão ou as férias da neve: uma marca do status da classe alta. É por isso que estes operários ou ex-operários acabam por se afogar no álcool e nos códigos de masculinidade que não contemplam a fragilidade e a confissão dessa fragilidade.

A violência doméstica e o suicídio (uma tragédia sobretudo masculina) resultam desta prisão que é o código de masculinidade do homem de colarinho azul. Conheço-o desde a infância, tentei falar dele no livro “Alentejo Prometido”. JD Vance fez o mesmo em "Lamento de uma América em Ruínas". Esta cultura braçal, física e corporal tem dificuldade em aceitar a ideia de sofrimento ou da doença mental; só aceita a dor física; a dor mental é vista como um sinal de fraqueza, de feminilidade, de homossexualidade. És um maricas! És uma menina! És um merdas! Esta tragédia - como volta a salientar Andrew Solomon - é depois reforçada pela soberba das classes altas, que se julgam donas exclusivas da dor psíquica, que continuam a pensar que o pobre é demasiado rude para aceder ao sofrimento psíquico; é como se a depressão e o suicídio fossem consequências da sofisticação intelectual e social de alguns e não condição humana partilhada por todos.

Nada disto faz sentido. É nas classes mais baixas que encontramos a maior incidência de doença mental e suicídio. Não nos devia surpreender. A miséria mantém as pessoas sobre permanente pressão; a pobreza mantém o indivíduo mais perto da linha de água que separa a racionalidade ponderada do estado da natureza. O dinheiro não compra felicidade, mas compra uma elevação acima do estado da natureza, cria uma rede de previsibilidade que salva o indivíduo da imprevisibilidade que é viver na pobreza. Vivemos assim numa enorme contradição: a classe social mais propensa à depressão e ao suicídio é também aquela que não tem narrativas que a defendam dessa mesma propensão suicidária; a empatia pelo pobre branco que se mata não existe nem na sua classe nem nas classes mais altas, que reservam a empatia sofisticada para as “minorias”.

Este tema não é um tema geral ou abstracto, não é um tema para um debate moral distanciado da realidade. Quando olhamos para a força eleitoral de Trump, Le Pen e do Brexit, vemos lá estes homens: operários ou ex-operários que se sentem perdidos entre tempos e narrativas, que se sentem esquecidos e desprezados.

Falar de suicídio não é só um imperativo moral, é um imperativo político e civilizacional para o aqui e agora; devemos ouvir estes homens porque é a coisa mais cristão que podemos fazer e porque essa empatia pode ajudar-nos a sair deste mal-estar civilizacional. Podemos falar então de suicídio? Nos EUA há cerca de 30 mil homicídios por ano, mas há 44 mil suicídios. Porque é que os homicídios têm 99% da atenção mediática, política, narrativa, cinematográfica, televisiva, literária?

Comentários
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  • caos
    12 mar, 2018 Lisboa 12:54
    Usar armas químicas para matar é proibido internacionalmente.Espero pelos tribunais de Haia,TPI,ONU para completa condenação e julgamento dos países e atores que defendem e permitem tal holocausto.Estamos perante um crime hediondo em que dois? países ocidentais deviam ser condenados,presos e anulados com invasão militar .Estao pertíssimo da RUSSIA e anexação é de esperar.Os países que assassinam massivamente o seu povo por razoes economicistas etc deveriam ser banidos.Os responsáveis pelo holocausto apos o seu reconhecimento foram perseguidos durante quase meio século espero porque é publico qe estes sejam condenados em 5 dias.
  • António Costa
    11 mar, 2018 Cacém 05:11
    Só gosto de comentar as coisas que conheço muito bem. Li o seu livro "Alentejo Prometido". Já disse muitas vezes onde e porquê discordava desse livro. Agora o suicídio "marca o Alentejo". Foi essa a grande diferença das Beiras para o Alentejo. No Interior ou no Litoral o "suicídio", ausente nas histórias que ouvi a norte estava sempre presente na realidade Alentejana. Sempre. Goste-se ou não. Só que a "maldição do suicídio" acompanha tanto homens como mulheres, no Alentejo. A sua explicação "faz sentido", do ponto de vista "lógico". Mas no Alentejo, atinge tanto os homens, quanto as mulheres. "Elas e eles". É transversal, são os dois....e essa foi sempre a grande diferença, para as histórias que ouvia a norte. Um vazio sem fim. Terrível. Numa paisagem sem "árvores"......não sei...
  • Vera
    10 mar, 2018 Palmela 13:39
    Olá, voltei para esclarecer o seguinte: quando eu disse que todas as pessoas que têm nome de Zé, são estúpidos, não são as pessoas de nome próprio (José)! são aqueles que se rebaixam, que são pobres de espírito! são esses que não sabem fazer contas e que vivem num mundo de faz de conta! que deixam que o dinheiro seja contabilizado por outros, que lhes mexem na carteira e não se importam! são esses que (repito) são 'estúpidos que nem uma porta'; não sei se prestaram atenção no recibo da luz deste último mês! mas se não prestaram atenção, das duas uma: ou passaram frio e intoxicaram-se de fumo de lareiras, ou fogueiras, ou adoeceram! para não gastar electricidade, para que os chicos 'espertos' arrecadassem 990 mil milhões!!! eu gastei os dois subsídios do ano que acabou, para poder ligar dois caloríferos, senão a esta hora já estava a pensar se havia de optar pelo suicídio ou pela eutanásia! não faço parte dos chicos 'espertos', mas sou obrigada a contribuir para os zés 'estúpidos que nem uma porta', porque sozinha no meio de 10 milhões (entre chicos e zés), só não entro em depressão, porque graças a Deus, sei livrar-me dela! Olhem se não perceberam nada do que eu disse, vão procurar o 'Expresso Curto' de hoje e leiam com atenção! e depois vão buscar o recibo que têm aí para pagar em prestações, que logo vêem. Também quero que saibam todos: que isto não é uma crítica ao governo, porque uma empresa que foi vendida antes deste governo, não se pode ir tirar a quem a comprou...
  • Vera
    09 mar, 2018 Palmela 15:42
    Ó Henrique Raposo, hoje devia de estar a falar de Paz! o Kim e o Donald estão próximos de uma amizade! 'Aleluia'!!! Vivam os 'Jogos Olímpicos'. Façam estes jogos todos os anos... bolas! Deixe jogar quem joga, desde que não seja 'às escondidas', nem ao 'toca e foge'; jogar no totoloto, não vale a pena: sai tudo ao lado! e os euros fogem: - ai é só 1 euro! Pois, são logo 200 'paus' (como dizia o meu pai)! ou 2 euros, são logo 400 'paus'! É jogo deitado ao vento! Agora jogar pela Paz, é imperdível! Mas então, falando sobre a depressão: é jogo difícil de concentração, para o jogador e para aquele que está a ver o jogo! quanto ao resto, suicídios e eutanásias? há um processo mais simples, de jogar: 'luta livre', lutar até acabarem com as situações! o Campo pequeno é capaz de ser adequado! alistam-se e vão por ordem de chegada, ricos e pobres! os pobres são fracos! por isso, é que são fracos! mas quando ficam com fúrias, ficam mais fortes, que os fortes! assim sendo, se os mais fracos, vencerem mais vezes, o Zé ganha a medalha de honra e pronto. Só fica uma situação embaraçosa! é que o Zé ou seja, as pessoas com esse nome, são estúpidas que nem uma porta! Nota-se a léguas de distância! na minha opinião, prefiro o empate. Desde que a ponte não caia,senão fico separada de uma parte da família! A vida é um jogo...Uns ganham, uns perdem, outros empatam! não vale a pena pensarmos muito...o que foi Escrito, está Escrito: quem não cumprir... Deus é Único e Justo, é ELe que nos vai julgar!
  • Antonio Gomes
    09 mar, 2018 Fafe 13:04
    Podemos falar sobre por que é que nascemos?
  • Party
    09 mar, 2018 lisboa 12:39
    É fácil de explicar os partidos laicos não têm já nada a cimentá los,ideologia ,luta classes então procuram transfomarem-se e impor nomas de conduta e emitirem a imagem de partidos políticos religiosos sem Fé. Estas questoes fraturantes estão a virarem-se contra os próprios e aí aparecem se extremas direitas em força e a votação em paritdos sem ideologia mas prometendo outras alternativas nesta vida.
  • João Lopes
    09 mar, 2018 Viseu 09:30
    Excelente análise de Henrique Raposo. A defesa da vida é a defesa da humanidade. Quando não se defende a vida em todas as condições tudo é possível e justificável: «toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas responsáveis e livres. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador (Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, nº 27).