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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

Quando visitar velhos é visto como um trauma

14 dez, 2018 • Opinião de Henrique Raposo


A infantilização da sociedade chegou a este ponto: levar jovens de 15 anos a um lar de idosos é uma acção considerada violenta ou traumatizante.

Há dias, uma professora contou-me um episódio que ilustra na perfeição o ar do tempo. Na escola onde dá aulas, esta e outras professoras organizaram uma viagem de estudo a um lar de idosos.

O objectivo era meritório: confrontar os adolescentes com a velhice, a doença e a morte, normalizando-as; criar laços de empatia entre gerações; perceber que todos nós acabamos nas rugas e nas cinzas; exercer a caridade junto de quem mais precisa – os velhos. Sucede que muitos pais recusaram a ideia, alegando que essa visita de estudo era demasiado pesada para os adolescentes.

A infantilização da sociedade chegou a este ponto: levar jovens de 15 anos a um lar de idosos é uma acção considerada violenta ou traumatizante. Esta negação da realidade é tão contrária ao meu esquema de valores que nem sei bem o que pensar ou dizer. Jovens ao lado de velhos é um quadro que me invoca ternura, afagos, abraços, conversas e lendas à lareira; não penso de certeza em alegados traumas.

Aliás, assumir que o cheiro a velho é violento para um jovem é o caminho mais rápido para o colapso da empatia enquanto enquanto valor social.

O que pretendem estes pais? Impermeabilizar os seus filhos em relação à finitude até aos vinte anos? Evitar que eles se confrontem com o pior da vida até aos trinta? Neste sentido, um velório ou funeral também é demasiado pesado para um jovem? Os jovens podem passar a vida na net a ver as imbecilidades dos youtubers, mas não podem passar uma tarde junto de arrastadeiras e muletas? Como é que passar uma tarde a assoar o nariz de uma senhora pode ser visto como um trauma? Confesso-me desarmado.

Como só tenho sangue, suor e muco para oferecer, sei que estou desarmado perante esta visão higienizada do ser humano. É uma visão sem a fralda suja dos bebés e sem a fralda molhada da velhice, é um presente perpétuo, sem passado e sem futuro, sem nascimentos e sem mortes, é a visão de uma geração que recusa ter filhos e que tem vergonha dos velhos.

Comentários
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  • fernando ALLEN
    18 dez, 2018 amadora 15:56
    gosto da radio renasçença,tanto que gosto que a ouço todos os dias,mas francamente,quando é que será que deixam de ter única e exclusivamente,comentadores da extrema direita,como o Henrique raposo,oLucas Pires ?
  • Vera
    18 dez, 2018 Palmela 01:06
    Sr. Costa, como é costume vê-lo por aqui e sei o que o Sr. está a sentir, porque eu já perdi o meu pai e a mãe; já se foram também. Então venho solidariamente dar-lhe os meus pêsames! Agora é preciso muita força e esperar que o tempo passe; a mágoa fica sempre, mas vai diminuindo... Cumprimentos.
  • Vera
    18 dez, 2018 Palmela 00:36
    "Como só tenho sangue, suor e muco para oferecer, sei que estou desarmado perante esta visão higienizada do ser humano. É uma visão sem a fralda suja dos bebés e sem a fralda molhada da velhice, é um presente perpétuo, sem passado e sem futuro, sem nascimentos e sem mortes, é a visão de uma geração que recusa ter filhos e que tem vergonha dos velhos." É isso mesmo! uma pessoa agora até tem medo de ficar velha!!! Geralmente os velhos ficam doentes! eu até já pensei que quando começar com problemas de saúde mais graves o melhor é internar-me num hospital, mas nos hospitais civis não há vagas para internamento permanente! não sei se vou conseguir pagar em particular! em vez de lares, eu acho que os idosos precisam mesmo é de internamento hospitalar! porque precisam de ser tratados e custa menos estar afastado dos filhos num hospital, do que num lar onde só cuidam, mas não tratam! e mesmo em casa, tratamentos ao domicílio não existem no nosso país! Da mesma forma que existem 'as para-farmácias',deviam fazer também os 'para-hospitais', só com enfermeiros e auxiliares! e quando vissem que era necessário chamavam o médico e pagava-se a consulta à parte,com a presença de um familiar! e até,como as reformas baixas não dão para esse efeito,a Segurança Social,deixava as reformas das pessoas com mais de 80 anos e pagava o internamento! ou seja os idosos a partir dos 80 anos deixavam de receber reforma e passavam a ter tratamentos hospitalares,de higiene e comida adequada! acho Vantajoso.
  • António Costa
    15 dez, 2018 Cacém 11:14
    Colhe-se aquilo que se semeia. O meu pai faleceu há uma semana. A minha mãe tratou sempre dele. Ficou sem "vida própria". Recusou-se a coloca-lo num lar. Sempre a vi, regularmente com os meus três filhos. So temos é de passar mais tempo juntos, com respeito pelo espaço de cada um. O problema é o egoísmo extremo, em que as obrigações são só para os "outros".
  • Catharina
    15 dez, 2018 São Paulo 09:49
    Quando os jovens chegarem a decrepitude própria se surpreenderão ao sentir o que é avelhice...Porque nunca lhes deram oportunidade para conhece - la. Não ouviram de um idoso historias de vida e de sabedoria...🤔😍
  • Margarida Chaves
    14 dez, 2018 Bélgica 18:50
    Moro no estrangeiro há mais de vinte anos. As minhas três filhas nasceram aqui. Desde os dois anos e meio têm que frequentar a escola e desde os dois anos e meio que se habituaram a visitar lares de idosos com a escola. Adoravam! Quando voltavam para casa, falavam com emoção de tudo o que tinham feito: cantar, dançar, fazer jogos, etc e prometiam sempre voltar; até chegavam ao ponto de saber o nome dessas pessoas. Tenho a certeza de que essas visitas, em muito contribuiram para as fazer crescer e fazer delas as mulheres que são hoje em dia. Não posso estar mais de acordo consigo. Mais uma vez os meus parabéns. Votos de um Santo Natal a todos os leitores e ouvintes da Rádio Renascença. Margarida Chaves
  • Cidadao
    14 dez, 2018 Lisboa 08:14
    Não sei se "infantilidade" é o termo ou se falta acrescentar "maldosa". Mas o que aqui está descrito, é o que se vê diariamente. Querem ser "meninos e meninas" o máximo de tempo que puderem, e passar esse tempo na NET...