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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

E se os homens portugueses lavassem a casa como lavam o carro?

08 mar, 2019 • Opinião de Henrique Raposo


O homem português passa da condição de filho da mamã para a condição de filho da mulher. É sempre um dependente. Não admira, portanto, que entre em queda livre perante a ideia de separação.

Quando era miúdo, a paisagem das manhãs de sábado e domingo era sempre a mesma: os homens lavavam os carros com um afinco de criada oitocentista. A água das lavagens escorria ruas abaixo em pequenos regueiros de água suja e espuma, cheiros de asseio forçado pairavam no ar. Eles começavam por bater os tapetes. Aspiravam os estofos e o chão dos bólides. De seguida, atiravam meia garrafa de lava-tudo de lavanda para um balde com água. Rodeados pela inevitável espuma, esfregavam as carroçarias, as luzes, as jantes. Passavam a manhã neste aprumo automobilístico enquanto as colunas dos carros poluíam os ouvidos alheios com Quim Barreiros (os mais velhos) ou techno (os mais novos). Décadas depois, a cena mudou no espaço e no tempo. Já não é na rua e à porta de casa, é nas bombas de gasolina; já não é de manhã, é sobretudo à tarde. Mas a essência permanece: os homens portugueses tratam os carros como se fossem mausoléus ou mesas de operações.

O ritual faz-me espécie por duas razões. Em primeiro lugar, não compreendo o fetichismo do automóvel. Eu só limpo o meu carro quando ele parece uma prisão turca; até esse momento, vou adiando a ida à limpeza. É só um carro, isto é, um electrodoméstico grande. É preciso limpar a torradeira todos as semanas? Em segundo lugar, é trágico verificar um pormenor: os homens que perdem horas e euros na limpeza do carro são os mesmíssimos homens que não fazem nada em casa. Tal como revelou o último estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, os homens portugueses estão no topo da preguiça doméstica. As tarefas domésticas, começando na cozinha e acabando na limpeza da casa e da roupa, estão sempre a cargo delas. Ele nunca pode: ou tem de ir jogar futsal com os amigos, ou tem de ir ver o Benfica no café, no estádio ou no sofá, ou tem de passar pelo café antes de vir para casa, ou tem uma reunião ou uma viagem, ou não sabe lavar loiça, não foi educado para isso, etc., etc. Tenho sempre a impressão de que o homem português nunca chega a crescer, permanecendo numa perpétua puberdade. É como se o homem português passasse da condição de filho da mamã para a condição de filho da mulher. É sempre um dependente. Não admira, portanto, que entre em queda livre perante a ideia de separação.

Isto não é um pormenor. Os constantes assassinatos de mulheres em Portugal são o resultado final desta cultura que esmaga a mulher; uma cultura que diz ao homem que passar a ferro é coisa de banana e que lavar o carro é que é um ritual másculo, uma cultura que não vê um problema nos apalpões na adolescência ou nas perseguições na vida adulta, uma cultura que destratou como "galdéria" a mulher que apresentou um caso fortíssimo contra Cristiano Ronaldo. A violência doméstica começa na violência que é a mulher chegar do trabalho para depois tratar sozinha do jantar, dos miúdos, da roupa, da limpeza enquanto ele está agarrado à Benfica TV, à Sport Tv, à Playstation, à cera que vai aplicar no capô do carro.

Comentários
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  • Deolinda sousa
    12 mar, 2019 Porto 22:29
    Ainda há esperança! Tantos homens que têm aparecido com artigos extraordinários, sobre este problema do feminicídio em Portugal. É de vocês que nós gostamos <3
  • João Lopes
    11 mar, 2019 13:00
    Artigo interessante!
  • Vera Costa
    09 mar, 2019 03:46
    Se os homens portugueses lavassem a casa, como lavam o carro, era um autêntico cataclismo!!! 1º porque não ficava nada com jeito! depois, porque as mulheres iam andar todas à pancada nos estádios de futebol! ou em carros de fórmula 1! ou em clubes a ver homens musculados a dançar em cuecas! ou seja, "virava-se o feitiço, contra o feiticeiro" e no fim disto tudo as mulheres matavam os homens com pancada. Por amor de Deus Henrique Raposo! não torne as coisas mais difíceis do que já estão?... já há mulheres divorciadas que entram em casa às 3h da manhã! já há raparigas que vão de moto, trabalhar em bares como vigilantes! e já há uma série de coisas que não lembra....... (não digo) porque sou católica e Deus não gosta! Não deite acendalhas para a fogueira! porque as mulheres viradas do avesso são um perigo! Hoje é raro uma rapariga com jeito! Hoje os gatos têm medo dos ratos e os cães têm medo dos gatos! e os homens, uns são brutamontes, outros são gays! por isso... Ó valha-me Deus! Deixe que Deus cuide dos humanos e fale-nos de outras coisasssss, mais interessantes!
  • Pedro
    08 mar, 2019 Obidos 14:11
    A mim só me parece de franco mau gosto e imbecilidade a generalização... A generalização é má, ponto. Seja ela no que concerne à raça (qualquer que seja), ao sexo (qualquer que seja, ou não seja), ou a qualquer outro ponto. Eu sou homem, sou português e ofende-me que apareça alguém a "classificar" o "homem português" desta maneira, porque, como disse, sou homem, sou português, e não tenho qualquer uma daquelas características. E, se eu e o autor, somos dois homens, portugueses, sem tais características, não devemos ser assim umas "aves tão raras" que se possa simplesmente dizer "ai o homem português é... (uma besta no fundo...)". Não me parece, assim, que tenha razão no que escreve. Melhor seria dizer, "ainda há muitos homens em Portugal que...". Era mais correcto.
  • Paulo
    08 mar, 2019 Lisboa 11:59
    Cuidado com estes autores híbridos que desconhecem a cultura dos povos. Abrem um frasco de cheiro e vomitam logo para o lado. Estes meninos devem trabalhar e malhar com as mãos, e não enlamearem-se em frases feitas. Comecei a ler, comecei a escrever. Apaguei a página porque detesto estes me-culpa confessos.