14 fev, 2020
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O que poderá unir um conservador católico como JD Vance e uma feminista e defensora acérrima do MeToo como Gabrielle Jackson? A revisão crítica da revolução sexual. À esquerda e à direita, no campo religioso e no campo laico, é cada vez mais frequente a crítica à revolução sexual iniciada nos anos 60 e sublinhada pelos anos 90 de Clinton e Weinstein. É que a alegada revolução sexual foi, na verdade, uma contra-revolução machista e sexista.
Como dizia há dias um soixante-huitard português, o editor e cronista Manuel S. Fonseca, “a liberdade descapotável que veio com a revolução sexual deu cabo de nós”, deu cabo dos homens, deu cabo da ligação entre a masculinidade e a família. A família implica amor, isto é, implica sacrifício, implica uma elevação moral, implica assumir responsabilidades. É como naquela canção do Bruce Springsteen: ele engravida a miúda e, na resposta, não exige o aborto, não a deixa mãe solteira, vai ao sindicato buscar o cartão, entra na fábrica, põe comida no prato. Esta responsabilização foi banida pela cultura da revolução sexual que exigia (e exige) um prazer sexual desligado das consequências do sexo.
A lógica do aborto, por exemplo, dá jeito sobretudo ao homem: não tem de assumir responsabilidades, não tem de mudar de vida para cuidar da criança, e é ela quem passa pelo sofrimento físico e mental do desmanche. Isto não é liberdade, porque liberdade implica assumir as responsabilidade dos nossos actos. Isto é anarquia, e claro que é uma anarquia que prejudica sobretudo as raparigas e mulheres. São elas que abortam. São elas que ficam com as crianças nos braços. São elas que são abusadas de forma sistemática em todos os sectores profissionais. Não por acaso, o feminista MeToo teve de surgir em 2018-2020 com o claro objectivo de civilizar o comportamento machista dos filhos de 68.
A idolatrada revolução sexual retirou a responsabilidade parental do menu da "coolness" do homem moderno. Ser pai não era (não é?) cool. A paternidade entrou em crise. O número de mães solteiras subiu em flecha e não subiu mais por causa dos abortos legais ou ilegais. E a consequência final desta eutanásia do papel do pai está à vista de todos: vivemos num vórtice de divórcios e famílias desfeitas, vivemos um colapso sem precedentes da família enquanto pilar da sociedade. Aliás, o que temos hoje não é uma sociedade, mas sim um mero aglomerado de indivíduos sem ligação entre si, indivíduos que já nem sequer confiam nos laços familiares, mulheres que não confiam em homens, homens que não confiam em mulheres, filhos que não confiam nos pais, pais que não confiam nos filhos, avós que não confiam nos netos, netos que não vêem os avós.
Desta desconfiança no seio da própria família, nasce um medo sem precedentes em relação à velhice e à doença. Sem a protecção do casamento e da família, a velhice e a doença são territórios ainda mais tenebrosos. As pessoas não têm medo de sofrer, têm medo de sofrer sozinhas. E é por aqui que entra a eutanásia. O mal da eutanásia é derramado no mundo através desta fissura da solidão familiar. Enquanto esta fractura não for reparada, a eutanásia será uma tentação permanente da sociedade. Ou seja, a culto da eutanásia é a consequência final da sociedade libertina e libertária criada pela revolução sexual, que prometeu liberdade, mas que, na verdade, só nos deixou solidão, famílias destruídas e a legitimação das piores formas de machismo.