18 set, 2020
Olá, como estás? Temos pensado bastante em ti nestes dias de regresso à escola no contexto da pandemia. Tenho pensado em ti, porque tu, ao contrário da maioria dos pais, tens de facto razões para sentir medo. O teu filho é aquele 0,01% que entra no perímetro do vírus.
Na tua cabeça, o medo do regresso à escola é justificado. Esse medo é injustificado nos outros, os 99,99%, os pais de crianças sem as fragilidades gravíssimas do teu. Esta larga maioria deve ter o sangue frio para olhar para a realidade empírica: o vírus não mata crianças; são muito raras as ocorrências. Este vírus é um problema porque consegue matar com uma percentagem elevada idosos com doenças crónicas. Há dias morreu uma bebé com covid e logo surgiu uma onda de medo. Sucede que aquela bebé não morreu por causa da covid, mas sim devido a problemas congénitos gravíssimos.
É uma certeza: o vírus não leva crianças. Não é uma certeza, mas é cada vez mais uma probabilidade bastante alta: as crianças também não são grandes transmissores deste vírus. A Dinamarca abriu as escolas logo em Abril/Maio e não teve uma segunda vaga. E estou a ler papers académicos que confirmam isso mesmo: as crianças não são o foco da transmissão desta doença. Não são, ponto. Criou-se a ideia de que as creches e escolas seriam espaços de incubação e transmissão deste vírus, mas essa é uma ideia feita, um cliché, um medo sem suporte científico. A creche deve permanecer aberta. E, se há sítio que deve permanecer aberto quando tudo o resto fechar, esse sítio é a escola.
Portanto, os pais devem parar de assumir que os seus filhos são um alvo ou um transmissor do vírus; os pais devem tirar os filhos da bolha securitária que só se justifica em casos raríssimos, casos como o teu filho. Aquela improbabilidade estatística, aquele 0,01% tem um nome e rosto, é o teu gaiato, o geniozinho que há dias consertou todas as construções de lego aqui de casa, começando na nave do Yoda e acabando no castelo do Harry Potter. Tenho pedido a Deus que te dê força. Força para evitares aquilo que seria o pior de tudo: fechares o teu fulho em casa, transformares o teu lar num bunker de guerra, reduzires o teu filho às doenças que tem, criares uma epidemia de doença mental em cima da ameaça física. Espero mesmo que tenhas a força para te olhares no espelho e dizer, Senhor, entrego-te esta angústia! Entrego-te isto! Fica com isto, por favor, e seja o Tu quiseres, porque temos de seguir a nossa vida, temos de arriscar!
Porque é que este risco é importante? A ameaça da covid sobre o teu filho é real, mas não deixa de ser uma probabilidade. É forte, mas é só uma probabilidade. O que não é uma probabilidade, o que é uma certeza absoluta é o efeito pesado do #ficaremcasa: se ficasse preso em casa, o teu filho agravaria as patologias de sempre, desenvolveria outras ligadas ao sedentarismo e à questão mental, entraria em ruptura com os irmãos e com o resto da família. Sei que não é grande conforto, sei que estás entre a peste e a cólera, mas, apesar de tudo, fazes bem em assumir que a peste covídica é menos ameaçadora do que as cóleras de sempre. Que Deus esteja contigo, cara amiga.