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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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A obsessão com o aborto está a corromper a mente dos cristãos

02 out, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


O Chega diz que é anti-aborto. Numa atitude pavloviana, muitos católicos portugueses apoiam este partido, fechando os olhos à boçalidade racista de André Ventura contra os “samaritanos”. Um mal não se resolve com outro mal. O racismo é um pecado tão ou mais poderoso do que a defesa do aborto.

Sou contra o aborto. O aborto não é um direito, não é um “cuidado médico”, como agora se diz. Remover um feto não é como remover um tumor ou arrancar um dente. Remover um tumor é remover uma doença, remover um feto é matar uma vida humana que iria nascer.

O “não, porém, não me pode cegar. Não posso reduzir a realidade ao tema do aborto, é como olhar para o mundo através de um único buraco da fechadura.

O aborto é uma situação trágica, isto é, estamos perante o choque entre dois direitos: o direito do bebé a nascer, por um lado, o direito da mulher à sua privacidade, por outro lado. Eu acho que o primeiro tem primazia sobre o segundo, mas não posso cancelar o segundo; o segundo direito desta equação não é um erro, não é um mal absoluto; é um direito, que, a meu ver, não tem prioridade.

As pessoas sensatas que defendem o “sim” não anulam a dimensão trágica desta escolha, não dizem que o aborto é um direito, uma conquista ou um cuidado médico como outro qualquer, dizem apenas que o aborto é o mal menor. Consigo conversar com estas pessoas.

Ao invés, não consigo conversar com os radicais do “não”, porque, tal como os radicais do "sim", aboliram o dilema trágico: recusam a legitimidade do direito da mulher à sua privacidade. Querem simplificar o que não pode ser simplificado. Querem diabolizar. Querem sentir-se virtuosos e superiores.

Se não tivermos uma mente aberta à tragédia do livre arbítrio, entramos facilmente no fanatismo. E é isso que tem acontecido, lamento dizê-lo, a boa parte dos eleitores cristãos, evangélicos e católicos.

Tal como salienta o bispo americano Mark Seitz, a obsessão com o aborto tem levado o voto cristão para o colo de um pagão como Donald Trump, que é a negação absoluta do evangelho. O nacionalismo é negado pela Bíblia do princípio ao fim. O Novo Testamento, então, é claríssimo: cuidado com a idolatria pagã dos poderes terrenos; cuidado com a veneração das tribos; cuidado com a ideia de que há um povo escolhido, cuidado com a ideia de que Cristo veio só para "nós". Cristo e Deus são de todos, judeus e pagãos, romanos e gregos, escravos e livres, homens e mulheres.

Como já escrevi aqui, um católico nacionalista é uma contradição nos termos. Uma pessoa pode votar em Trump ou no Chega, tem essa liberdade, mas não pode legitimar esse voto com o cristianismo, não pode. É como dizer que três mais três são dez. É um erro lógico.

As pessoas têm de optar: ou são cristãs ou são nacionalistas. Não podem seguir dois deuses, não podem ser universalistas e pagãs ao mesmo tempo. Quem segue Cristo na parábola do bom samaritano não pode ter uma atitude racista. E quem segue Cristo também não pode ter os comportamentos machistas, nem pode considerar o sexismo de Trump como um pormenor.

No entanto, esta traição do Evangelho tem sido a marca de milhões de cabeças e votos cristãos. Como Trump diz que é anti-aborto (dá-me vontade de rir, mas avancemos), milhões de cristãos fecham os olhos ao seu racismo e sexismo.

O Chega diz que é anti-aborto. Numa atitude pavloviana, muitos católicos portugueses apoiam este partido, fechando os olhos à boçalidade racista de André Ventura contra os “samaritanos”. Um mal não se resolve com outro mal. O racismo é um pecado tão ou mais poderoso do que a defesa do aborto enquanto direito e conquista. Porque é que a vida daquele que está por nascer é superior à vida daquele que já nasceu e que é abertamente marginalizado pelos auto-proclamados líderes da Vida?

Porque é que tantos cristãos, que se julgam donos da Vida, desprezam abertamente as vidas concretas das mulheres emancipadas, dos ‘gays’, dos negros, dos indianos, etc.? A Vida torna-se assim uma causa quase abstrata e afastada das vidas reais que temos à nossa frente.

Comentários
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  • Q
    23 out, 2020 Lisboa 23:52
    Henrique Raposo, a voz do Bloco de Esquerda na emissora supostamente catolica portuguesa.
  • João Lopes
    05 out, 2020 09:00
    A Renascença não vê não ouve: Pais são presos por não aceitarem "ideologia de gênero" https://observador.pt/2019/11/08/despacho-sobre-identidade-de-genero-nas-escolas-nao-protege-criancas-diz-o-conselho-das-escolas/ https://observador.pt/2019/08/22/psd-diz-que-despacho-sobre-identidade-de-genero-pode-potenciar-bullying-e-violencia-nas-escolas/
  • Idalina Inácio
    04 out, 2020 Amadora 06:57
    Este artigo deve fazer muito feliz todos os de esquerda! Portanto para si Biden é que é o ideal!? Portanto um candidato (Biden) que é comunista, apoia o aborto até aos 9 meses, iria apoiar a China no seu plano expansionista, perseguir os Cristãos e acabar com a democracia e com a América, para si é que é a resposta? O Trump tem feito muitas asneiras, mas não chega nem de longe à destruição que Biden, o melhor Kamala, iriam fazer na America, por favor acorde!
  • Estupefato
    03 out, 2020 Portugal 18:40
    Mais um pouco e está-se a chamar comunista ao Henrique Raposo. Não estava à espera, pois o Chega ao querer expulsar os "indesejados" do território Nacional, está a fazer o quê? O mesmo que as mulheres que abortam, por opção, no decurso de uma gravidez indesejada. Expulsar quem não é desejado.
  • Atento
    03 out, 2020 Leça da Palmeira, Matosinhos 11:06
    Caro Henrique Raposo "remover um feto é matar uma vida humana que iria nascer." ??? "que iria nascer ? Ou já é mesmo uma vida humana em desenvolvimento ? Se a minha mãe ou a sua mãe nos tivessem abortado de uma forma espontânea ou provocada não tínhamos sido nós e só nós que tínhamos morrido e não quaisquer outras pessoas ? Temos que ser claros ... Quanto à política, não vou por aí por agora ...
  • Atento
    03 out, 2020 Leça da Palmeira, Matosinhos 11:06
    Caro Henrique Raposo "remover um feto é matar uma vida humana que iria nascer." ??? "que iria nascer ? Ou já é mesmo uma vida humana em desenvolvimento ? Se a minha mãe ou a sua mãe nos tivessem abortado de uma forma espontânea ou provocada não tínhamos sido nós e só nós que tínhamos morrido e não quaisquer outras pessoas ? Temos que ser claros ... Quanto à política, não vou por aí por agora ...
  • Atento
    03 out, 2020 Leça da Palmeira, Matosinhos 11:06
    Caro Henrique Raposo "remover um feto é matar uma vida humana que iria nascer." ??? "que iria nascer ? Ou já é mesmo uma vida humana em desenvolvimento ? Se a minha mãe ou a sua mãe nos tivessem abortado de uma forma espontânea ou provocada não tínhamos sido nós e só nós que tínhamos morrido e não quaisquer outras pessoas ? Temos que ser claros ... Quanto à política, não vou por aí por agora ...
  • Atento
    03 out, 2020 Leça da Palmeira, Matosinhos 11:06
    Caro Henrique Raposo "remover um feto é matar uma vida humana que iria nascer." ??? "que iria nascer ? Ou já é mesmo uma vida humana em desenvolvimento ? Se a minha mãe ou a sua mãe nos tivessem abortado de uma forma espontânea ou provocada não tínhamos sido nós e só nós que tínhamos morrido e não quaisquer outras pessoas ? Temos que ser claros ... Quanto à política, não vou por aí por agora ...
  • Dúvida sistemática
    03 out, 2020 02:07
    Costumo ler os seus artigos com atenção mas hoje, confesso, não entendi nada. A interligação entre aborto (ou melhor, anti-aborto) e o racismo, vem a que propósito? A questão do Chega (lamento, mas nunca ouvi falar tanto deste partido como nestes tempos que correm) e de Trump, também não entendi. Farinha do mesmo saco, é isso que quer dizer? Afinal de contas, era um artigo a favor ou contra o aborto (ou anti-aborto), contra o tal Chega e/ou contra o Trump? Contra o racismo com aborto pelo meio? Lamento, mas convirá expor melhor as suas ideias, opiniões e princípios, com um escopo claro e um objectivo definido. Não está, para mim em causa a defesa das personagens/partidos envolvidos, dado que não gasto destes supermercados. Sobre os princípios cristãos, que tomo a liberdade de acrescer de católicos, confesso que ia perfilho, sobretudo o dos evangelhos em que o publicano fica à entrada do templo dizendo-se ser pecador, enquanto que os fariseus tomam para si os primeiros lugares alegando serem merecedores de tal honra. Com todo o respeito, da próxima vez não interligue tantos e tão diversos assuntos e sobretudo fale dos princípios cristãos que perfilha mas afaste-se de abordagens políticas, pois a mensagem não chega aos destinatários de tão ruidosa que se tornou. Com estima e consideração.
  • Miguel Jorge
    03 out, 2020 Cascais 01:13
    Nas palavras de uma das figuras mais marcantes do século XX, "Dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave e abjurável. O Concílio Vaticano II define-o, juntamente com o infanticídio, « crime abominável ». Mas hoje, a percepção da sua gravidade vai-se obscurecendo progressivamente em muitas consciências. A aceitação do aborto na mentalidade, nos costumes e na própria lei, é sinal eloquente de uma perigosíssima crise do sentido moral que se torna cada vez mais incapaz de distinguir o bem do mal, mesmo quando está em jogo o direito fundamental à vida." (Papa S. João Paulo II na Encíclica Evangelho da Vida, ponto 58). Outra igualmente marcante, Santa Madre Teresa de Calcutá disse em Washington no dia 3 de fevereiro de 1994 “A maior ameaça para a paz hoje é o aborto, porque o aborto é declarar guerra à criança, a criança inocente que morre nas mãos da sua própria mãe. Se aceitarmos que uma mãe possa matar o seu filho, como podemos dizer aos outros que não se matem? ... O país que aceita o aborto não está a ensinar o seu povo a amar, mas a aplicar a violência para conseguir o que deseja. É por isso que o maior destruidor do amor e da paz é o aborto”. Hoje são realizados por mês 3 milhões e meio de abortos (www.worldmeters.info), o maior holocausto que jamais foi praticado pela humanidade! Face a esta trágica realidade, escolher entre alguém que se diz a favor da vida e traduz em ações como cortar os fundos da International Planned Parenthood Federation (maior cadeia de abortos nos EUA) e outra que defende o aborto e se rodeia de pessoas que o promovem, qual será a melhor escolha? Os pecados não são mais ou menos poderosos, são mais ou menos graves. E o pecado do aborto é dos mais graves, pois atenta contra a vida de seres humanos totalmente indefesos e inocentes.