20 nov, 2020
O ambientalismo radical tornou-se uma ‘religião secular’. Tal como outros cultos milenaristas do século XX, este ambientalismo radical (não confundir com a ecologia de Gonçalo Ribeiro Telles) tem um lastro desumano. Basta ver como tantos ambientalistas nem sequer têm escondido o entusiasmo com a pandemia, porque, ora essa!, é a oportunidade para o vírus humano deixar de poluir, é a oportunidade para o planeta sarar, dizem.
Os custos humanos, em vidas e em pobreza, não parecem afetar esta posição. Além deste radicalismo, há algo que me incomoda nesta era verde. A sociedade que sacraliza a natureza, dos ursos às uvas, é a mesma que dessacraliza a natureza humana; o homem não pode tocar nos rios e nos solos, mas pode tocar e modificar à vontade a sua própria carne.
As mudanças climáticas sempre existiram na Terra. A natureza não é um quadro, é um filme. Não, não me queimem já. Não estou a dizer que não devemos lutar por uma energia mais limpa e menos ruidosa; julgo que esse é um propósito civilizacional. Só estou a dizer que há uma visão infantilizada e rígida da natureza, como se ela fosse um quadro imutável. Não por acaso, rejeita-se de forma acrítica e histérica os alimentos geneticamente modificados. As companhias que modificam milho ou uvas têm uma péssima imprensa, só comparável às farmacêuticas. E estes alimentos geneticamente modificados (que podem ser a salvação dos mais pobres e dos próprios campos de cultivo) são alvo de campanhas sem fundamento em tudo semelhantes à campanha anti-vacinas.
Pois bem, a sociedade que explode de raiva perante o milho geneticamente modificado (que não é visto como um progresso, mas como uma perversão) é a mesmíssima sociedade que aceita alterações genéticas no corpo humano ou até a eugenia aplicada a seres humanos. Olhe-se, por exemplo, para a erradicação em curso dos bebés com Síndrome de Down (trissomia 21). É por isso que a pergunta do título é retórica. Eu sei que vivo num tempo que, depois de erguer a voz contra a modificação genética do milho e da uva, se cala perante a modificação genética do ser humano através da eugenia aplicada a bebés com trissomia.
Um dia, que está para breve, não haverá mais seres humanos com trissomia 21. Quando esta doença for eliminada da face da terra, que outros bebés se seguirão na lista do aborto seletivo e medicamente válido? Que outros bebés serão abortados ou modificados ainda antes de nascerem em nome do progresso médico? Os surdos? Os autistas? Os cegos? Os com propensão para os diabetes? Os com propensão para a depressão? Continuem a lista, é interminável.