12 mar, 2021
A revista “Prima” fez capa com uma humorista muito cá de casa, a Mariana Cabral (Bumba na Fofinha). Esta merecida capa fez-me lembrar a melhor coisa que ouvi nos últimos tempos sobre Cristina Ferreira e, no fundo, sobre a diferença entre homens e mulheres. Aquando da célebre rutura com a SIC e consequente regresso à TVI, Cristina Ferreira justificou a mudança com um enorme dramatismo sentimental que se dividiu em diversos episódios; na base desta novela da vida real, encontrávamos a ideia de que Cristina sentia um chamamento para voltar à sua casa, à sua TVI, etcétera.
Mariana Cabral no Bumba na Fofinha foi direta à jugular, apresentando um argumento que a nossa Joana Marques também invocou no Extremamente Desagradável: Cristina Ferreira fez este teatro porque é mulher. Se fosse homem, limitar-se-ia a dizer que aceitou uma proposta de trabalho mais interessante, uma proposta que lhe dá mais dinheiro, que lhe permite ter mais poder criativo e administrativo, uma proposta que lhe permite ser estrela e dona, ponto final. Mas, como é mulher, as pessoas e ela própria exigem algo além desta racionalidade. É como se a mulher não pudesse ter uma carreira como os homens, uma carreira que vale por si só. É como se a carreira da mulher não estivesse presa à cabeça, mas sim ao coração, ao sentimento. Como é óbvio, isto diminui a mulher perante o homem, porque mantém o cliché de que a carreira, a verdadeira carreira determinada apenas pelos critérios profissionais, é só do homem.
Nesta visão paternalista, a carreira da mulher é apenas a extensão da sua vida emocional privada. As mulheres nunca serão iguais aos homens enquanto as mulheres que são alegadamente um exemplo, como Cristina Ferreira, mantiverem a condição feminina dentro deste espartilho paternalista que é a essência do marialva.
Mas repare-se que este não é apenas um problema português. Acabo de ver a série “The Undoing”, com Nicole Kidman e Hugh Grant. Ele tem 60, ela 53. O rosto dele tem as marcas normais de um homem de sessenta anos, está cravado de rugas. Esta fragilidade da idade torna a sua interpretação mais forte, mais humana, mais verosímil, mais empática. Apesar de ele ser o vilão, nós sentimos mais empatia com ele do que com ela. Porquê?
O rosto dela, uma mulher de cinquenta e três anos, é liso como o de uma criança. É um rosto falso, é o rosto de uma robô, de uma daquelas humanoides dos filmes de ficção-científica, não é a face de uma mulher madura. A personagem de Kidman é plástica e pouco expressiva, porque a atriz está obcecada com a ideia de que uma estrela de cinema não pode ter rugas. Pior: ele continua bonito, porque assume as rugas; ela está a deixar de ser bonita, porque não assume as rugas.
Será que esta obsessão com a negação da idade nasce nas próprias mulheres (auto-imposta) e será uma pressão do “sistema” e da cultura sobre as mulheres? Julgo que a verdade está mais próxima da segunda hipótese, mas também é verdade que são as mulheres como Kidman e Cristina Ferreira que têm o poder para mudar a cultura.