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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

​Código morse da felicidade

04 jun, 2021 • Opinião de Henrique Raposo


Senhor, lamento, mas tentar falar contigo diretamente não tem sido fácil nestes tempos. Como diz um amigo, não te sinto por perto. Não tenho um telefone vermelho teológico; parece que há quem o tenha, eu não. Sobra-me o quê? Tentar isolar na minha cabeça os momentos de luz e felicidade num caderno invisível, uma espécie de código morse da felicidade.

Às vezes, este código aparece do nada, como se não dependesse de mim, mas sim de Ti ou do acaso. A música ajuda nestes acasos celestiais, pequenas migalhas que caem da tua mesa. Ainda há dias, estava a ouvir um compositor contemporâneo que costumo ouvir, Max Richter, e, por causa de uma faixa nova de um álbum novo, ‘Voices’, comecei a chorar de sossego e reconversão devido à óbvia beleza da música, mas também por causa daquilo que a música está a colorir: a declaração universal dos direitos do homem que tem aquele espírito americano e cristão.

A música tem o poder de cruzar e fundir tempos. De repente, estava de novo numa viagem marcante que fiz à América há talvez quinze; numa idade-chave, esta viagem marcou-me como pessoa, intelectual e, sei hoje, como crente. Foi nesta viagem, por exemplo, que passei a ler e a prestar atenção às cartas de Abigail Adams e Eleanor Roosevelt, a mãe fundadora e a mãe re-fundadora da América. É a voz de Eleanor Roosevelt, mãe da declaração universal, que se ouve no início do álbum do Max Richter.

À distância, percebo agora que estas cartas e discursos soavam a validação poética da minha própria mãe. Abigail, antes e depois da declaração da independência, Eleanor, antes e depois da declaração universal dos direitos do homem, influenciaram os maridos e amigos dos maridos através da omnipresença do direito natural e dos direitos inalienáveis de todos os seres humanos, a liberdade em relação ao medo, a liberdade em relação à forme, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa. Separadas por mais de século e meio, Abigail e Eleonor consagraram intelectualmente na América aquilo que do outro lado do Atlântico foi compreendido por instinto por uma operária portuguesa com a quarta classe: todos os seres humanos nascem livres e iguais, na posse de direitos inalienáveis e intrínsecos à sua condição humana, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade e, sobretudo, nascimento e classe social. E, há quinze anos, ali estava eu, um pobre de um país pobre, a brilhar em Washington. Ali estava eu a provar no centro do império aquilo que Jesus, teu filho, nos diz desde o início: o berço não conta. Hoje é impossível não me comover com as palavras Eleonor, ecos cultos do sonho simple mas poderoso da minha mãe.

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