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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

Carta às mães imperfeitas

08 abr, 2022 • Opinião de Henrique Raposo


Não estou a criar a "família", muito menos a "família perfeita"; estou a educar duas pessoas, duas futuras mulheres livres e senhoras de si. Não, não estou a educar pessoas para obedecer cegamente ao pai ou à "família", até porque depois essa obediência cega pelo pai seria transferida para a obediência cega pelos maridos maridos e para a obediência pelas famílias que formariam. Como em tantas outras coisas, as regras formais acabam por ser formas de prender mulheres. Há que ter sempre cuidado com os fariseus.

Devido às duas últimas crónicas neste espaço, tenho recebido imensos comentários e abraços de mães da minha geração. Os homens que me desculpem, mas, sim, estou só a falar de mães, porque infelizmente são quase sempre elas que estão em casa a cuidar das crianças ou são quase sempre elas que dão o som de retorno às crónicas sobre paternidade. Mesmo quando não são elas a cuidar da canalha, mesmo quando são os homens a cuidar dos filhos, a verdade é que eles, os pais, não falam destes assuntos, não têm uma narrativa para falar em público dos filhos, sentem-se pouco homens ou então sentem que são apenas a roda suplente.

Bom, os tais comentários destas mães revelam sobretudo gratidão, “Obrigado por falares disso, identifico-me muito com o que escreveste”, “obrigado por falares disso sem medo, eu não consigo, janto com o meu filho no sofá e tenho vergonha disso, agora não”. Ter filhos nunca foi tão difícil e uma das causas desta dificuldade está neste constante julgamento a que os pais, sobretudo as mães, são submetidos. Hoje sentimos que existe à nossa volta um caderno de encargos sem fim em relação à educação dos filhos, e esse caderno exige a perfeição. Os pais do passado não tinham, nem de perto nem de longe, esta pressão. Ser bom pai/mãe hoje em dia é um feito que exige o cumprimento de dezenas e dezenas de obrigações que têm de ser alcançadas sem o auxílio da chapada/palmada, sem o auxílio de uma família alargada e com um conhecimento muitíssimo mais profundo da criança. Conhecimento e sensibilidade. Os pais do passado criavam "famílias", nós criamos indivíduos.

No passado, a “criança” era um molde que se replicava em todos os filhos. Os filhos eram educados nesse molde único, funcionasse ou não funcionasse com a criança y ou z. Hoje, reconhece-se que cada criança tem a sua personalidade e sensibilidade, até às refeições. Volto, portanto, ao exemplo inicial desta série de crónicas: às vezes é difícil colocar as duas miúdas a jantar ao mesmo tempo porque uma adora sopa e a outra, com eu, odeia sopa. Portanto, muitas vezes, a miss sopa começa a jantar mais cedo ou come a sopa à parte enquanto eu preparo uma taça de cenouras cruas e tomate para a outra. É o acordo: se não comes sopa, comes cenouras e tomate antes do jantar e depois reforças a salada e a fruta.

Não estou a criar a "família", muito menos a "família perfeita"; estou a educar duas pessoas, duas futuras mulheres livres e senhoras de si. Não, não estou a educar pessoas para obedecer cegamente ao pai ou à "família", até porque depois essa obediência cega pelo pai seria transferida para a obediência cega pelos maridos e para a obediência pelas famílias que formariam. Como em tantas outras coisas, as regras formais acabam por ser formas de prender mulheres. Há que ter sempre cuidado com os fariseus.

E é aqui que quero chegar. As mensagens que recebi de mães da minha geração mostram como muitas mulheres estão presas em narrativas que não foram elas que criaram; são impostas de fora, pela "cultura", pelas "regras", pelo passado. Minhas queridas, se são vocês que estão nesta luta diária que é educar crianças, se são vocês que estão com as mãos na massa e se são vocês que têm esse instinto moral treinado e apurado, então porque é que têm tantas insegurança sobre o que está social, moral e emocionalmente certo na gestão de uma família em 2022? Não são só os homens que estão presos em 1980.

Comentários
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  • Ivo Pestana
    11 abr, 2022 Funchal 11:36
    O conceito de família já vem desde quando S. José disse sim à sua esposa. Proteger, educar e amar, são condições da família. O resto são ideologias e subjetividades. Ninguém é perfeito, mas a teimosia aumenta essa imperfeição.
  • maria tiana
    10 abr, 2022 Lisboa 22:49
    É cada vez mais lamentável as suas opiniões ou os seus conceitos sobre a vida real. Vive a filosofar formas de estar e de ser. "...Estou a educar duas pessoas, duas futuras mulheres livres e senhoras de si...estou a educar pessoas para obedecer cegamente ao pai ou à "família" Perante estas palavras, é melhor assumir que está a educar duas mulheres para uma libertinagem cega, que depois será transferida para a uma libertinagem cega aos maridos e para uma libertinagem pelas famílias que formariam. O tal caderno de encargos dos Pais da sua geração foram criados pela libertinagem da sua geração. É pena que esta geração continue a obedecer ao código de estrada?!... Para quê uma Obediência cega aos sinais de transito? Para quê tanta regra e uma obediência cega no desporto e dentro de campo? Para quê tantas leis e regras civis que nós automaticamente obedecemos cegamente? Quantas obediências cegas só por interesse? Só na Família é que não pode existir obediência... Obedecemos a todos e a tudo, menos ao Pai e à Mãe... Não duvido que o verdadeiro Fariseu é o autor destas ditas crónicas. Lembre-se que a sua geração de hoje será passado no futuro e aqueles a quem estão a educar de forma "moderna" irão queixar-se da sua geração como um passado a não imitar... Conheço também muitos Pais de hoje que agradecem pelo que receberam no passado dos seus Pais e Avós. Quem não imita o passado, nunca construirá futuro, porque os alicerces é para se manterem mesmo mudando a fachada.