08 jul, 2022
A morte natural parece ser um grande problema para a nossa psique coletiva que está viciada na ideia de controlo humano sobre tudo, ou, pelo menos, na sensação de controlo, na ilusão do controlo. Quando digo "morte natural", estou a falar da morte que sempre marcou a vida dos seres vivos, seres humanos incluídos: a hora da nossa morte surge quando a natureza assim determina, tem um grau de imprevisibilidade alto. É esta imprevisibilidade que parece desagradar à sociedade da vigilância e do controlo, a nossa. Bom, a sociedade que controla os partos ao ponto de os marcar com precisão no calendário, evitando assim o nascimento natural do ser humano, é por inerência a sociedade que também vai ter problemas em aceitar a morte natural.
Não, não sabemos lidar com a dor e sobretudo com o imprevisto e, nesse sentido, recorremos a leis e tecnologia para controlarmos até a morte.
Temos falado muito da eutanásia, que é uma forma de suicídio assistido, é uma forma da pessoa controlar a sua própria morte, retirando do imprevisto da natureza. A doença matar-nos-á numa data aleatória; o ser humano recusa essa sensação indefesa perante a natureza e impõe o controlo e uma data por si escolhida para a sua própria morte. Morre, sim, mas morre nos seus termos, não nos termos da morte.
Ao permitirmos o controlo humano sobre a morte, ficamos com a sensação de que estamos a “humanizá-la”. Mas estamos mesmo? Não, não estamos. Estamos apenas a fomentar ainda mais a nossa obsessão coletiva com o controlo. Esta é a sociedade onde os pais dão telemóveis aos filhos porque não suportam não saber deles ao longo do dia, não suportam a ideia de não conseguir falar e controlar os filhos.
O caso do ex-ditador de Angola, José Eduarda dos Santos, fez-me relembrar agora outro ponto: manter uma pessoa viva à força, ligando-a às máquinas que lhe dão uma vida artificial, é tão errado como a eutanásia. E eu gostava de ver as forças católicas a reagir contra este artificialismo que inventa uma vida artificial da mesma forma que reagem contra o artificialismo que provoca uma morte antecipada através da eutanásia.
Não desligar as máquinas, não deixar a pessoa morrer na altura que é natural (distanásia) é tão errado como dar uma injeção e matar (eutanásia): ambas as situações revelam uma falta de humildade para se aceitar a morte natural, revelam a mesma obsessão com a ideia de que o homem controla tudo.