17 set, 2020 • José Bastos (Renascença) e Margarida Gomes (Público)
Daniel Bessa é um dos rostos do recém-criado conselho consultivo do Conselho Estratégico Nacional do PSD. O convite partiu do próprio líder social-democrata, Rui Rio, de quem é amigo há muitos anos.
Professor, gestor, antigo ministro da Economia de António Guterres, Daniel Bessa não se revê na solução governativa de António Costa, mas deixa elogios para o consultor a quem o primeiro-ministro pediu a Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal, António Costa Silva. Quanto ao PSD, Bessa diz que tem de apimentar mais o seu papel de oposição.
Entrou recentemente no conselho consultivo do Conselho Estratégico Nacional do PSD. Porquê?
Tenho uma consideração muito antiga de muitas décadas pelo dr. Rui Rio e não resisti a um desafio que acho interessante. Não me revejo na solução política que hoje governa o país, acho que é necessário uma alternativa. Se vai ter muito êxito ou não, logo veremos.
Foi ministro de António Guterres, apoiou Rui Moreira e aconselha Rui Rio: houve aqui uma viragem?
Depois do 25 de Abril andei mais perto do MDP, do PC. Em 92, o engenheiro Guterres desafiou-me para ver se conseguíamos derrotar o professor Cavaco Silva que ia a caminho de dez anos de Governo e parecia a altura de criar uma alternativa, e hoje continua a parecer-me a altura de criar uma alternativa. Não estou contente, acho que é necessário criar uma alternativa e ela passa pelo dr. Rui Rio.
Defendeu uma alternativa ao PS. Para quando essa alternativa?
Não sei. A senhora Thatcher preconizou um dia que este tipo de soluções acaba quando acabar o dinheiro dos outros. O PS tem sido o partido de Governo muitos anos em Portugal e, na última aventura, acabou quando acabou o dinheiro dos outros e, desta vez, talvez não seja muito diferente. Não estou muito convencido de que seja para breve.
Como é que tem visto oposição de Rui Rio? Há quem diga que é demasiado descafeínada, devia ser mais assertiva?
Cada um é como é, não vale a pena estarmos aqui a seguir uns guiões, estarmos aqui a fazer uns números. O dr. Rui Rio é assim e eu respeito. E sinto-me bem acompanhado.
Mas assumir uma alternativa não é também seguir um guião?
O dr. Rui Rio diz que as eleições não se ganham, perdem-se, mas é preciso que quando alguém perde umas eleições haja uma alternativa suficientemente credível para que possamos seguir em frente. Talvez o dr. Rui Rio pudesse ajudar um pouco mais a que as eleições se perdessem.
Defende mais cafeína na oposição?
O que estou a dizer é que talvez pudesse ajudar mais a que se perdesse mais depressa. Mas quem sou eu? De política o dr. Rui Rio sabe.
Identifica-se com o PSD de Rui Rio ou gostaria de o moldar mais à sua imagem?
A quem? Ao PSD ao dr. Rui Rio?
Aos dois.
Mudar um partido não me passa sequer pela cabeça e mudar uma pessoa também … Porquê e para quê? A única coisa que estou a dizer é que talvez o dr. Rui Rio pudesse pôr um bocadinho mais de pimenta [na oposição]. A forma como ele reagiu a esta coisa da pandemia é típica da forma como o dr. Rui Rio actua e acho que o mundo inteiro considerou exemplar. Não vamos usar um problema de saúde pública para criar um problema ao Governo - ponto final.
Isso foi numa primeira fase. Entretanto, decorreram alguns meses, deu para perceber a situação nos lares, deu para fazer outro tipo de análise. Não deveria ter sido criada uma outra visão?
Eu já fui muito além daquilo que deveria ter ido aqui, de política não percebo nada. A única coisa de que me lembrei foi de meter aqui uma notinha sobre estimulantes, ora pimenta, ora cafeína.
Como viu a primeira reunião do órgão consultivo do PSD em Coimbra? Saiu um apelo à igualdade de oportunidade na sociedade portuguesa…
A última coisa que faltava era que viesse agora comentar, para além de dizer que me senti muito bem acompanhado e que a reunião correu muito bem. Se há défice em Portugal em matérias como a igualdade, cidadania, acho normal que venham daí observações desse tipo e, ainda por cima, num partido que se recentrou e que se considera social-democrata.
Tem ouvido as apresentações de António Costa Silva?
Li o relatório.
De 0 a 20, que nota lhe merece o documento que o presidente da Partex apresentou ao Governo?
Estamos quase como na disciplina de Cidadania, era preciso saber o programa e os objectivos.
Mas o programa é conhecido …
Se eu quiser olhar para questões como modernidade, mundividência, atenção às preocupações e aos sentidos de evolução do mundo, estaria muito perto do 20. Sou um admirador do engenheiro António Costa Silva. Tem um conhecimento imenso, por exemplo, sobre o tema da energia. Depois, se formos a questões como exequibilidade, capacidade de priorização, acho que o engenheiro António Costa Silva fugiu a isso - não sei se lhe foi pedido. Em certo sentido, funciona como um menu de linhas possíveis de intervenção e daria um 14.
Voltando ao plano Costa Silva, como académico e gestor tem informação suficiente sobre a análise custo-benefício de muitas propostas? É relevante nesta altura?
Isso é relevantíssimo, mas na hora de definir prioridades, de avançar com projectos para a execução. Na altura de vermos o que vamos fazer, espero que o tema do custo-benefício não deixe de surgir.
Uma das questões é a aposta na alta velocidade ferroviária, com o TGV, a sigla proibida. Costa Silva veio dizer que não quer saber se é alta velocidade ou velocidade alta. Insistiu que o que é preciso é andar depressa em carris, porque os voos vão ser proibidos até 600 ou 1000 kms. Como olha para a questão ferroviária e, sobretudo, para a questão da bitola europeia e do porto de Lisboa?
O eng. António Costa Silva vai buscar duas linhas estratégicas que atravessam Portugal há vários séculos: a ligação à Europa, por um lado, que durante muitos anos foi a Espanha; e a ligação ao outro lado do mundo, pelo mar. Há dois grandes défices nessas ligações: a ferrovia; e a parte portuária. O eng. Costa Silva acha que, no essencial da rodovia, não há nada a fazer, mas na ferrovia e de portos sim - e estou completamente de acordo. Há uma dimensão interna que é basicamente o porto de Lisboa. Não sei se haverá alguma coisa pelas áreas metropolitanas lá por Lisboa e aqui para o Porto... Depois há o problema da ligação ferroviária à Europa.
A questão da bitola europeia...
Sim. A ligação à Europa é para aproximar o país dos mercados europeus e o que espero é uma ligação ferroviária que facilite o mais possível essa aproximação.
Pode apontar um exemplo retirado de uma ideia que seja para aproveitar do documento?
Esta aposta na ferrovia. Todos nós sabemos que o ponto em que estamos em matéria de ligação de Porto-Lisboa é fraco. Gastou-se muito dinheiro e não se melhorou nada.
Mas é uma questão de sigla? No período pré-pandemia, há cerca de ano e meio, o primeiro-ministro, numa entrevista ao El País, dizia que o TGV era uma sigla muito complicada em Portugal.
Não sei. Gostava de chegar mais depressa a Lisboa. O engenheiro Costa Silva vai por aí e estou de acordo com ele. Na questão dos portos e aeroportos também estou completamente de acordo com ele. A área sobre a qual exprimi mais dúvidas, talvez porque não sei, embora ele saiba, é a história do hidrogénio.
Costa Silva diz não ser nenhum delírio tecnológico. Como olha para esta aposta no hidrogénio?
Há um plano nacional para o hidrogénio em que se prevê gastar 7000 a 9000 milhões de euros. É muito dinheiro. Admito que não seja nenhum delírio tecnológico. Mas delírio ou não, acho que em Portugal não se deve saber muito disso e a experiência empresarial dessa área é nenhuma.
E as rendas garantidas?
É uma das razões pelas quais Portugal tem uma das energias mais caras do mundo. Estou próximo do professor Clemente Pedro Nunes, que na altura própria, contestou o solar e agora fez um paralelo e disse que era preciso os mesmos cuidados a propósito do hidrogénio. E isso mereceu-lhe o reparo de João Galamba de que era um aldrabão encartado. E provavelmente é o que me chamarão a mim.
Falta, neste caso do hidrogénio, uma avaliação rigorosa de custo-benefício, independentemente de estarmos perante uma nova tecnologia e com potencial de crescimento e inovação?
Mesmo que no limite até não seja muito sofisticada, sou mais de pequenos passos. Gosto de experimentar para ver.
Espera encontrar no próximo orçamento, com circunstâncias muito complexas e de elaboração muito difícil, uma resposta para essa dúvida?
Não. Voltamos ao plano Costa Silva. Ele diz: “Estou aqui com uma coisa para fazer a médio prazo, mas não há médio prazo, se não formos capazes de sobreviver a curto prazo”. E o próximo orçamento tem que ver com isso. O próximo orçamento tem a ver com o como é que vamos mitigar a desgraça.
Subindo o salário mínimo?
O salário mínimo tem como ponto de partida uma intervenção política voluntarista. É política, não é economia. O pior dos momentos para aumentar o salário mínimo é aquele em que o desemprego tende a explodir, porque se o desemprego tende a explodir, e isso é um problema, aumentar o salário mínimo não vai ajudar nada. É evidente que o Governo, esta maioria, nos dirá: “Durante os últimos anos aumentámos o salário mínimo, as vozes da desgraça diziam que ia haver desemprego e não houve desemprego nenhum”. E têm razão. Porque a economia estava a bombar e, portanto, a economia estava a funcionar razoavelmente, nada de exaltante, o salário mínimo foi aumentando, as empresas acompanharam e não morreu ninguém.
E o argumento do efeito positivo do aumento do salário mínimo no crescimento económico?
Aí sugiro que passem o salário mínimo para mil euros por mês, porque deve ser maior [o impacto].(...). O problema maior que temos é o do consumo. As pessoas não estão a morrer numa guerra. As pessoas mudaram porque estão assustadas e retraíram-se imenso em determinados aspectos de consumo. Onde estão os fulcros da crise? Aviação, primeiro nas viagens e depois na produção dos aviões, agências de viagens...
Em que se joga a sobrevivência de empresas e empregos num longo Inverno até à descoberta da vacina? O sucesso depende de cada um de nós mais do que das orientações das autoridades de saúde?
Estou do lado dos que apelam às pessoas para quem vão para a rua e que retomem os seus padrões de consumo, na medida do possível. E apelo quase como um dever cívico e de cidadania, porque, se não for assim, pior. Em relação ao Governo, o Governo está dependente da ajuda que possa receber.
Nunca a palavra “bazuca” teve um significado tão suave?
Ah, sim! Eu acho que é uma “bazuca!” e é muito bem-vinda. É muito dinheiro. E depois temos também o BCE [Banco Central Europeu]. Não entra nessas contas, mas tem ajudado. Se o BCE tivesse ajudado o engenheiro Sócrates como está a ajudar agora... Provavelmente, não tínhamos tido a troika.
E teríamos ainda o engenheiro Sócrates?
Talvez.
O Presidente da República e o primeiro-ministro estarão em silêncio até esta quinta-feira sobre o apoio do primeiro-ministro à recandidatura do presidente do Benfica, nas circunstâncias que todos conhecemos. É um erro o líder do Governo de Portugal associar o seu nome ao futebol profissional e àquele dirigente em particular?
Do meu ponto de vista, a questão tem sido excessivamente posta na questão do acto em si e do apoio. Se calhar não lhe fica muito bem, mas não passa mal nenhum. A mim o que me custou é que fosse apoiado aquele candidato. Aquele apoio ofende-me como contribuinte, como cidadão e como pessoa. Como contribuinte, porque sei o quanto os contribuintes portugueses foram lesados por aquela pessoa. Como cidadão, porque sei do envolvimento daquela pessoa em processos judiciais, nomeadamente em processos que pretendem denegar a justiça. E como pessoa, porque os meus valores não têm nada a ver com ele.