16 set, 2021 • Eunice Lourenço (Renascença) e Liliana Borges (Público)
Álvaro Covões é um dos subscritores de uma petição que pede o alívio fiscal para os contribuintes que declaram até 50 mil euros anuais. Uma medida para incentivar o consumo e que passaria por dar um crédito fiscal a esses contribuintes correspondente a 25 por cento do imposto pago.
Entre os subscritores estão como como Nogueira Leite, Braga da Cruz e José Manuel Júdice e economistas, empresários e ex-governantes, tanto do PSD como do PS, que, diz Covões, querem dar o seu contributo como sociedade civil porque as políticas não podem depender só das propostas dos partidos.
Explique-nos o que é esta petição e o que propõem...
É uma petição para aliviar a carga fiscal junto da classe média. Há famílias, num [determinado] escalão que começam a pagar IRS que se tiverem possibilidade de pagar menos obviamente vão poder consumir mais, vão viver melhor e vão ajudar a dinamizar a economia, porque a economia precisa de consumo. Não fui eu que tive a ideia, convidaram-me para subscrever e achei absolutamente indispensável porque a única forma que existe para dinamizar a economia é as pessoas passarem a ter mais dinheiro para poderem consumir. Por isso esta medida está bem pensada. Se fosse uma redução do IRS isso afetaria todos os escalões. Por isso isto é uma espécie de IVAucher para a classe média baixa, porque é uma devolução de créditos de imposto pago para que as pessoas possam utilizar no consumo de bens, tanto na cultura, como no vestuário.
Para dinamizar o consumo seja ele qual for e que se aplicaria a 2,5 milhões de famílias com rendimento bruto inferior a 50 mil euros. Quando fala de uma espécie de crédito fiscal, isto processar-se-ia como? Pelo alívio nas retenções?
Se se atualiza e reduz as taxas isso afeta os escalões mais altos, porque o pagamento é por escalões. A única forma de conseguir fazer isto sem ter impacto em todos, principalmente nos mais altos, é a criação deste crédito fiscal. É uma ideia que vai beber aquilo que o Governo está a fazer com o IVAucher.
A sua avaliação é que é uma boa medida que pode ser replicada em termos mais gerais?
O IVAucher foi uma medida em que as pessoas ganhavam um crédito sobre os consumos que faziam, na hotelaria e restauração, aqui seria um crédito de 25% de imposto pago para as famílias até esse patamar de rendimento, para poder utilizar também no seu dia-a-dia. Era a única forma de não incluir os escalões superiores e obriga as famílias e isso também é importante.
Já é possível fazer algum balanço do IVAucher no sector da Cultura?
O projeto e a ideia foi muito interessante para relançar o Verão. O processo teve de ser atrasado por causa do confinamento que tivemos a 15 de janeiro. E quando o IVAucher começou em junho não foi como esperávamos. Mas é uma medida que nos pareceu incentivadora dos três sectores que foram os mais afetados pela pandemia: cultura, restauração e hotelaria.
Voltando ao alívio fiscal. Que expectativas tem sobre esta medida? Acha que os partidos vão pelo menos discutir uma ideia como esta?
Não me passa pela cabeça isto não ter unanimidade no Parlamento. Porque é uma medida que se destina aos escalões mais baixos.
Há sempre uma preocupação com o equilíbrio do défice. Como é que se compensa o alívio fiscal?
Esse crédito de imposto se for usado no consumo vai criar receita fiscal extra. Se a pessoa for ao restaurante vai pagar IVA, o restaurante vai pagar mais IRC. Há uma redistribuição. Por outro lado, incentivamos o Estado a procurar determinadas poupanças nas chamadas gorduras para equilibrar isso. Mas o que nos parece completamente indispensável é que a classe média passe a ter mais poder de compra. Os países só crescem e só se tornam mais ricos enquanto nações quando a classe média tem mais poder de compra. Não estou a ver que partido é que não vá aceitar esta ideia. A não ser que a gente viva numa ditadura. Nas ditaduras é que são assim: "Não, não, não queremos fazer o bem".
Entre os subscritores estão figuras de várias áreas políticas. Há ex-secretários de Estado, tanto do PS como do PSD. Como foi possível esta abrangência?
A ideia é unânime. Sabemos que a carga fiscal em Portugal é das mais altas do mundo. Se conseguirmos aliviar fiscalmente essas primeiras famílias, só vamos fazer o bem. Vamos melhorar a vida das pessoas. Quem é que vai ser contra isto? Quem é que se podia recusar a assinar uma proposta destas? Não é uma proposta alucinada que vá criar um desequilíbrio absurdo nas contas públicas. É o caminho e o papel da sociedade civil. Não podemos continuar a viver com as ideias só dos partidos. Temos de participar porque só assim se constrói um país melhor.
Em que medida é que esta petição é diferente da proposta do Governo que passa também por um alívio fiscal, com o desdobramento do 3.º e 6.º escalão?
Normalmente quando os políticos anunciam isso depois dá dois euros [de diferença]. Isto não é uma crítica a este Governo, mas aos últimos 40 anos.
Mas discorda deste alívio fiscal? Onde é que difere da vossa proposta?
Este é muito claro e objetivo. Estamos a falar na devolução do IRS pago por 2,5 milhões de pessoas. 25% é muito. Será um crédito que poderá ser usado para pagar a roupa, pagar a escola dos filhos, ir ao teatro, fazer umas férias.
Como empresário é isso que sente que está a faltar? Um incentivo que ponha a economia a funcionar?
A economia portuguesa nestes últimos anos beneficiou de um fluxo de turismo fora do normal quando comparado com a generalidade dos países. Sabemos que o crescimento do turismo vai ser mais lento. A única forma de garantir crescimento económico no consumo será através dos portugueses. E vimos que este Verão o que salvou a restauração e hotelaria foram os portugueses. Se estivermos a dar mais poder de compra aos portugueses vamos conseguir mais crescimento económico.
O que é que pode salvar o sector da Cultura e dos espetáculos?
Que nos deixem trabalhar.
Espera que da reunião de hoje no Infarmed saiam boas notícias para esse deixem-nos trabalhar?
Nós somos todos virologistas de bancada. O que temos assistido é que o mais fácil para os especialistas é sempre fiquem todos em casa, porque aí de certeza que a pandemia está controlada. Mas nós não vivemos só com este vírus, é impossível construir uma sociedade ou economia com as pessoas em casa. Por isso é que se desenvolveu as vacinas e por isso é que muitos países estão a abrir. Ainda esta semana vimos um anúncio da presidente da comunidade de Madrid de que vai abrir tudo. A menos que nos venham dizer que as vacinas não funcionam. Nós temos um nível de vacinação extraordinário. Vamos imaginar um espetáculo no Parque das Nações. Vem uma pessoa de Sintra no comboio apinhado de gente, porque neste momento nos transportes públicos já podem ter uma lotação de 100%, não constituem perigo para a pandemia. Chega ao Campo Grande ou ao Rossio e vai para o metropolitano e entra na hora de ponta e está completamente cheio. Assim que chega à porta de espetáculos entra num mundo novo e pedem certificado ou uma prova de teste negativo. Depois vai para um lugar sentado, só pode circular pela direita, o espetáculo não vai ter intervalo porque é um perigo de contágio. Quando termina sai de uma forma organizada e a partir daí entra numa selva outra vez. Mete-se num metro e comboios cheios e já não há problema. Já não podemos continuar a viver assim. Temos tido uma publicidade enganosa. O Governo tem anunciado o aumento da lotação dos espetáculos. Na última resolução o Governo aumentou para 75%.
A DGS diz lugares sentados.
A DGS tem um acordo ortográfico que toda a gente desconhece, que diz que lotação quer dizer lugares sentados. Temos procurado nos dicionários mais antigos e não temos encontrado nenhuma definição que a lotação de lugares de espetáculo seja de lugares sentados. Quando o Governo determinou 100% de lotação nos transportes públicos a DGS não veio dizer que são só lugares sentados. É um malabarismo. Portugal tem uma falta imensa de equipamentos culturais. O país não é só Lisboa e Porto e a generalidade dos eventos acontece ao ar livre. E 80% da nossa atividade económica advém dos eventos em pé.
Tem expectativa que seja agora que se acaba com esses limites?
A esperança que o sector tem foi as palavras do primeiro-ministro de que atingidos os 80% se acabavam as restrições. Na Dinamarca já não se pede certificado. No Reino Unido também não.
Porque é que Portugal está a demorar mais que os outros?
Porque temos um conjunto de especialistas que a única forma de acertarem sempre é sendo supercautelosos.
Em abril foram feitos os eventos testes da Cultura dos quais nunca se soube exatamente resultados.
Chama-se a isso 25 de Abril, sempre. O poder embriaga. As pessoas esquecem-se do que é a democracia e liberdade. E as pessoas esquecem-se que estão a servir o povo. Alguém decidiu que não se deveria divulgar os resultados.
Mas esse alguém foi a DGS, do Ministério?
Não sei. Alguém da Saúde terá decidido isso.
Isso quer dizer que correu bem ou que correu muito mal?
Se tivesse corrido muito mal divulgavam, porque isso era a forma de poder dizer que temos de fechar mais. Estes testes foram feitos para salvar o Verão, mas o Verão não reabriu. Não vou criticar. A prioridade foi a vacinação. Nós cumprimos. A DGS já nos disse que mesmo com 85% da população vacinada vamos ter de manter o distanciamento e que espetáculos em pé vão de ter continuar com regras. Não foi isso que nos foi dito, não foi para isso que ficamos o país número um na vacinação.
Quanto tempo prevê que o sector da Cultura demore a recuperar?
Ninguém sabe responder. Só quando os sectores voltarem a trabalhar a 100% ou passar a ter espetáculos sem lugar sentado e marcado é que vamos perceber quem sobreviveu. Muitos mudaram de profissão e muitas empresas acabaram ou vão acabar. Terminado o layoff e moratórias há empresas que podem não resistir.
Que balanço faz da Everything is New? Em março tinha dito que não tinham existido despedimentos. Tem esperança de manter essa situação?
As empresas que aderiram ao layoff não podem despedir. No nosso caso, tentámos continuar com a atividade.
Como vê o que está destinado à Cultura no PRR?
É mais do mesmo. Nós em Portugal vivemos um sistema muito estranho na Cultura. Com esta pandemia tivemos oportunidade de chamar a atenção para o sector privado da Cultura. Seja a secretaria de Estado, seja o ministério, o resultado é sempre o mesmo: eles existem só para gerir o sector da Cultura. A minha família está ligada ao Coliseu. Desde o 25 de Abril nunca nenhum secretário de Estado ou ministro nos chamou para saber como funciona um teatro privado, como é que vivem, quais as dificuldades, como podemos trabalhar em conjunto.
Mas concretamente o que gostava que tivesse incluído no PRR?
Uma preocupação com o sector privado. Através das associações do nosso sector, no meu caso de Promotores, fizemos uma campanha dos 2,5% porque no plano inicial a Cultura tinha ficado de fora. O Governo acabou por aceder em 2%, mas vamos a ver o programa e é para a rede de teatros públicos, é tudo para o Estado. As salas privadas ficam de fora, os artistas que são empreendedores privados ficam de fora. Mas quando olhamos para a nossa atividade económica, 75% dos bilhetes que se vendem em Portugal é o sector privado da Cultura que os vende. Os festivais são um conteúdo muito importante para o turismo. Na Europa, 40% do turismo é cultural. A cultura também é gastronomia e paisagem, mas é cultural. Portugal já começou a ter muitos turistas que vêm ver concertos e acabam por ficar.
Apostar no sector privado da Cultura é apostar no turismo, é isso que está a dizer.
Completamente. Somos o último ou o penúltimo em hábitos culturais na Europa dos 27. Ainda há muito por fazer. Nos debates autárquicos não ouvi falar em Cultura.
Muitas vezes são as câmaras as promotoras. Na pandemia foi dito que as câmaras iam continuar a pagar pelos espetáculos programados.
Não o fizeram. A generalidade delas não o fez, ainda por cima em ano de eleições. Um espetáculo é um ajuntamento de pessoas. Se aparecer um surto a culpada foi a câmara. Faleceu o Presidente [da República Jorge] Sampaio e o Governo decretou três dias de luto nacional e uma grande parte das autarquias decidiu cancelar os espetáculos, mas não decidiu cancelar o desporto. O futebol fez aquilo que era correto, a vida continua, ouve um minuto de silêncio antes de começar cada jogo. Mas mandaram suspender a Cultura. E nas cerimónias fúnebres havia música. É uma contradição. Sampaio deve ter ficado tristíssimo connosco. Se há coisa que ele não queria era que se suspendesse a Cultura. Ele queria que se celebrasse o luto dele.