13 out, 2022 • Manuela Pires (Rádio Renascença) e Helena Pereira (jornal Público)
A Iniciativa Liberal já considerou que este é um mau orçamento. Diz que há um optimismo excessivo nas previsões económicas e que os portugueses vão continuar a perder poder de compra. O que é que faria de diferente se tivesse que fazer um orçamento?
Este orçamento foi uma enorme decepção. E não é só por uma questão de optimismo ou falta dele. É um orçamento que demonstra um enorme enfoque na dívida pública e não responde aquilo que eu chamo uma dúvida pública, que é porque é que Portugal não cresce tanto como outros países que estão no nosso campeonato. Para além disso, o Orçamento demonstra três ou quatro facetas do PS que são típicas: o PS habilidoso porque faz uma grande festa com a redução de 10% na dívida pública, omitindo que sete desses dez pontos foram reduzidos pela mera existência da inflação; mantém a progressão do salário mínimo previsto na legislatura até 900 euros, omitindo que com a inflação inesperada esses 900 euros vão valer pouco mais de 800; é vagaroso porque foi finalmente corrigir coisas que nós temos vindo a chamar a atenção - o tema das tabelas de retenção naqueles salários muito próximos dos do salário mínimo, que provocavam taxas marginais de 100% finalmente é corrigido, a dedutibilidade dos prejuízos fiscais ilimitada; depois é um PS enganoso por causa daquelas medidas com os quais faz uma grande fanfarra, mas que não significam muito na prática. Exemplo é o IRS jovem em que majora as deduções nos cinco primeiros anos de emprego, que tem um impacto de 12,5 euros por mês. No IVA da electricidade, as pessoas vão ter uma redução nas suas contas de 1,3 euros por mês. O aumento de dedução pelo segundo filho no IRS representa oito euros por mês. Nada disto tem real impacto e este orçamento acaba por ter nada, nada de estrutural.
O que fariam de diferente?
Mantínhamos a preocupação com as contas públicas, ou seja, o objectivo de chegar a cerca de 100% do PIB em dívida pública no final legislatura. É um objectivo que nos parece correcto, prudente, sábio. Mas há outra maneira de lá chegar. Por cada ponto percentual de crescimento adicional que Portugal pode conseguir se tivesse políticas de crescimento como deve ser, com desagravamento fiscais, com simplificação, com incentivos claros ao empreendedorismo e às empresas chegávamos aos mesmos 100% de dívida pública e com 10 mil milhões de euros de folga para reduções fiscais. Apostar em crescimentos de 1,3%, 1,2% nos próximos anos estamos a deixar na mesa milhares de milhões de euros que podiam ser devolvidos aos portugueses.
Mas houve um acordo neste fim-de-semana entre o Governo e a concertação social. Os representantes das empresas viram satisfeitas algumas reivindicações já antigas. Portanto, as empresas ficaram satisfeitas com este orçamento, a Iniciativa liberal acha que fica muito aquém. O que ofereceria mais como estímulo ao crescimento da economia?
Não sei exactamente o que é que as empresas estavam a pedir assim há tanto tempo porque uma das coisas que fica consagrada é que os aumentos salariais acima de 5,1% serão majorados em 50% para efeitos de IRC. Vai-se a espremer isto e significa menos de 30 euros por mês para as empresas por cada trabalhador.
Acha que os empresários foram enganados?
Não, acho é que só se pode chegar a acordo sobre aquilo que está em cima da mesa e aquilo que o governo sistematicamente põe em cima da mesa é poucochinho.
Então as empresas foram pouco ambiciosas?
Não vou comentar por que é que determinados parceiros sociais aceitam determinados acordos. Faço é uma leitura global das coisas e olho para o que está acordado, quer no acordo de rendimentos, quer no orçamento e digo “É pouco. Isto não vai pôr Portugal a crescer”.
No último Orçamento de Estado, a IL apresentou 127 propostas de alteração. Apenas cinco foram aprovadas. Desta vez, há uma mudança de estratégia. Apresentam apenas cerca de uma dúzia de propostas de alteração. Que propostas é que são essas?
Vamos recapitular. Nessa altura reunimos e ouvimos as explicações que o Governo tinha para dar de que aquele era o Orçamento que foi chumbado e que deu origem a eleições antecipadas. Acho que foi um erro. Não vou ao ponto do Presidente da República de dizer que ficamos muito bem geridos por duodécimos, que também parece uma interpretação um bocadinho bizarra. A nossa intenção foi testar o nível de diálogo do governo e das nossas propostas apenas cinco foram aprovadas. Se daí para cá a prática do PS foi ainda menos dialogante e ainda mais hegemónica, não fazia sentido estar esse favor ao PS. Vamos fazer outra coisa diferente. Vamos só falar daquelas medidas que são estruturalmente liberais e que um dia possam fazer a diferença: quatro grandes reformas (a reforma do SNS, sistema educativo, administração pública e segurança social, e uma série de outras matérias de âmbito fiscal.
Uma das propostas é a taxa única para os primeiros cinco escalões?
Sim, é uma derivação de uma proposta original. Se uma taxa única vos faz muita impressão, vamos fazer uma taxa única só para os primeiros cinco escalões, que são aqueles de menores rendimentos. Vamos fazer as correcções necessárias a essa proposta de forma a que não deixe de fora nenhuma das objecções que aqueles que não quiseram aprovar [a proposta original], nomeadamente o PS, invocaram. O governo vai baixar no segundo escalão a taxa de 23% para 21% e isso vai custar 200 milhões euros por ano. Mas para o ano o IRS em termos absolutos vai cobrar mais 16 mil milhões euros. Portanto, 200 milhões de euros não chegam a 1,5% da receita de IRS. Isto não é uma reforma, isto é uma cócega que se faz no enorme sufoco fiscal que as famílias sofrem.
No Reino Unido, a primeira-ministra tentou fazer uma baixa de impostos. Retira daí algumas lições para eventuais propostas da IL?
Não é muito bom fazer paralelos com coisas que não são comparáveis e faça justiça à IL de nunca fazer o que o governo inglês tentou fazer, que é uma baixa de imposto simultaneamente com o maior aumento de despesa pública que o Reino Unido alguma vez conheceu. Fazer isto ao mesmo tempo é de facto uma loucura e os mercados reagiram como tinham que reagir. Nós nunca faríamos isso.
No caso da reforma da Segurança Social, gostava de perceber um bocadinho melhor por onde é que vai a IL.
Parte de um diagnóstico de que há, neste momento 2,2 milhões de pensionistas e 5,4 milhões de trabalhadores no activo.
O que propõem?
Cada um destes 5,4 milhões de portugueses desconta cerca de um terço do seu salário. Neste momento, já só é possível cobrir cerca de 80% das pensões a pagamento. Daqui por 20 anos esta proporção de pensionistas e activos vai piorar ao ponto de serem o mesmo número cortado. Isto não é sustentável. A nossa solução é caminhar para um modelo misto, que seja um modelo contributivo e um modelo de capitalização. O contributivo tem plafonamento quer dos descontos quer das pensões. Depois cada um, com os devidos incentivos fiscais, e as próprias empresas, com incentivos para fazer dessa forma, têm a oportunidade de uma parte dela compulsória e outra facultativa, de investirem em instrumento de capitalização próprio.
Pedro Passos Coelho já no passado tinha defendido isso e defendia até que num período transitório o buraco que se abriria fosse pago com dívida pública.
A transição é difícil, de facto. Há formas diferentes de a fazer, mas havendo crescimento económico ao nível que nós desejamos é completamente compaginável com uma transição relativamente rápida.
Então só é possível fazer uma reforma dessas em cenário de crescimento económico?
Claro, tal como só é possível não agravar a dívida pública em tempos de intervenção financeira ou em termos de pandemia ou em tempos de guerra se tivermos as finanças em ordem e um país a crescer.
Percebi que deixou aí uma crítica a Marcelo Rebelo de Sousa, que até elogiou Orçamento. Acha que o Presidente está a ser pouco exigente?
Não percebi o que o PR quis dizer. Esteve largos minutos a comentar várias visões possíveis do orçamento para se concluir, no fundo, que o Governo deve ter razão porque é criticado à esquerda à direita. Isto não é o papel do PR. Um comentário muito mais enxuto e muito mais cautelar teria sido mais que suficiente.
Marcelo continua a ajudar o Governo?
Acho. A leitura final daquela intervenção do PR só podia ser: como ninguém sabe o que se vai passar e como toda a gente tem razões de queixa, então este caminho deve estar certo. Não se venha pôr numa situação de comentador, fazendo uma de cravo e ferradura. Escutei atentamente o seu discurso do 5 de Outubro e acho que há uma auto-exigência crítica que é necessária que deve começar em casa.
Nos Açores, a IL tem o acordo incidência parlamentar com o Governo do PSD que admite agora rasgar se for chumbada uma proposta na extinção de institutos públicos na área da agricultura. É uma hipótese a IL chumbar o orçamento regional nos Açores?
Quando se celebra um acordo, fazemos intenção de cumprir. Esperamos que o outro lado faça igual intenção de cumprir. A partir do momento em que uma das partes falha, a outra tem o direito de dizer que o acordo não está válido. Já não é a primeira vez que é necessário empurrar o PSD nos Açores um bocadinho para cumprir aquilo que estava previsto no nosso acordo. Desta vez trata-se da fusão de organismos, que consta de um dos dez pontos do nosso acordo, a racionalização do chamado sector público empresarial regional. Aparentemente, nem é tanto o PSD que está a resistir, são os parceiros do PSD, CDS e PPM. Entenda esta posição da IL como uma forma de ajudar o PSD a ultrapassar a resistência do CDS e PPM.
Há sondagens que começam a dar uma soma do PSD com a IL ao nível do PS. Estaria disponível, se assim for, para uma coligação pós-eleitoral apenas com o PSD?
A resposta é inequivocamente sim, se. Tenho que reconhecer no PSD algo que ainda não tenho total certeza que é verdade que é uma vontade reformista forte e que isso se traduza, na prática, na adopção de duas das quatro reformas estruturais de que há pouco falava.
Nota alguma diferença entre o PSD de Luís Montenegro e o de Rui Rio?
Noto diferença de estilo, sobretudo.
Já teve algum contacto com Luís Montenegro?
Não, não tivemos contactos formais. Tivemos contactos de circunstância e acho que há condições para fazermos um caminho comum se o PSD reconhecer que temos uma capacidade de atingir determinadas camadas da população, nomeadamente as mais dinâmicas, as mais jovens, e que isso é um activo político fundamental para transformar Portugal e que haja realmente reformas efectivamente liberais quer seja na fiscalidade, na saúde, na educação, na administração pública e na segurança social.
E sobre o Chega acha que o PSD está a ser claro?
Gostava que o PSD fosse tão claro quanto nós, que dizemos com toda a clareza que não haverá entendimentos, nem pré nem pós eleitorais. É importante que uma alternativa ao PS, se precisar de viabilização parlamentar do Chega, seja um problema que é colocado à porta do Chega. Eles é que tem que ficar com o ónus de viabilizar ou não.
Mas se for necessário, para formar governo ou um acordo de incidência parlamentar, o Chega a IL não entra?
Não. Não haverá entendimentos com o Chega de nenhuma forma e feitio relativamente à constituição de um futuro governo alternativo ao PS.
Relativamente ao Chega, nota diferença entre esta liderança do PSD e a anterior?
Relativamente à candidatura do Chega a vice-presidência da AR, onde o PSD se mostrou disponível, vi isso com mais naturalidade do que as questões de incidência eleitoral. Fazemos uma distinção total entre aspectos institucionais e aspectos políticos. Um partido com representação na AR tem o direito de nomear um vice-presidente. Não deve haver ostracização porque aqueles votantes eleitores do Chega são tão portugueses como qualquer outro. Já houve vice-presidentes do Bloco de Esquerda, do PCP, que também não são partidos que se recomendam.
Se a lei das incompatibilidades dos políticos voltar ao Parlamento, como é que a IL votará aquele artigo que diz que familiares até segundo grau de governantes não podem fazer contratos com o Estado?
Não tenho exactamente a certeza da resposta. Há dois factores em relação aos quais temos que arranjar equilíbrio. Um é a transparência da gestão da coisa pública, que aconselha a que haja incompatibilidades e algumas delas muito bem definidas em lei. Por esse prisma, sim, votaríamos a favor. Por outro lado, porque não vemos o impacto das políticas pela conversa de café ou pelos três meses seguintes, preocupa-nos muito o impacto que isso possa ter a prazo na qualidade do pessoal político que Portugal tem. Num país em que o Estado ainda representa 40%, 45% da economia, é muito difícil não tropeçar no Estado em qualquer esquina. Essa discussão está aberta dentro do grupo parlamentar e teremos que ter uma posição. Estamos disponíveis para ter uma discussão corajosa no sentido de admitir mais liberdade aos detentores de cargos políticos em troca de uma maior fiscalização. É perfeitamente legítimo que alguém em causa própria decida empreender determinada actividade política e aceitar determinado cargo. Isso limita-o a si. Limitar um número indeterminado de familiares com essa sua decisão, parece-me que é infringir com uma decisão própria a liberdade de esses outros familiares. Há aqui um equilíbrio que tem que ser salvaguardado e eu não tenho já a noção exacta desse equilíbrio.
Um ex-dirigente do CDS acusou a IL de demagogia por causa das críticas que fez à ministra Ana Abrunhosa.
O caso da ministra Ana Abrunhosa é diferente porque há um óbvio conflito de interesses. Estamos a falar de um mesmo ministério que outorga fundos a um cônjuge. Parece-me evidente que há um conflito de interesses.
A IL pretende apresentar uma proposta na AR sobre esta matéria?
Estivemos ainda hoje a falar nisso. Isso seria politicamente aquilo que eu gostaria de fazer - ter a coragem de dizer que há um problema, que sei que na conversa de café não vai cair muito mas que é possível compatibilizar os conflitos de interesses com a qualidade do pessoal político que Portugal precisa muito ter para o futuro.
Na Câmara de Lisboa, há um ano, a IL não elegeu vereador. Que avaliação faz da gestão de Carlos Moedas ao fim do ano?
É uma gestão esforçada, mas que acaba por não produzir os resultados que pretendia porque está demasiado dependente dos aparelhos dos partidos que o apoiaram.
O próprio PSD está a minar Carlos Moedas, é isso?
Sabemos que há dificuldades em fazer passar pelos barões locais do PSD coisas que a vereação de Carlos Moedas queria passar. Quando invoquei este risco para dizer que não apoiava Carlos Moedas e preferia apresentar um candidato próprio, isso foi visto como uma espécie de desculpa. Se lhe perguntarem, tenho a certeza que Carlos Moedas será o primeiro a confirmar.
Muitos falam agora por causa dessa dificuldade em eleições intercalares. Se isso acontecer, pondera uma coligação com Carlos Moedas?
O normal é que voltemos a falar e vamos ver se há circunstâncias diferentes para que a decisão final seja diferente.