12 out, 2015
Fazendo forte um líder que as eleições tornaram fraco, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa empurram o PS para um governo que até hoje os socialistas nunca quiseram.
Na noite das eleições, António Costa assumiu a responsabilidade – política e pessoal – pelo resultado eleitoral, assinalando, para quem o quis ouvir, que o PS não atingiu os seus objectivos. Uma semana depois, e mostrando grande competência política, Bloco e PCP entronizaram António Costa e o secretário-geral do PS deixa-se embalar neste mar de ambiguidade que só aparentemente o favorece.
Não vejo personalidades como António Guterres ou Jaime Gama a coligarem-se, nestas circunstâncias, com a esquerda que nunca escolheram e que sempre os rejeitou.
Duvido que Mário Soares, nos seus tempos de líder e com uma situação financeira e social ainda frágil, tivesse querido governar com o PCP e com os novos representantes da União Democrática Popular e do Partido Socialista Revolucionário, agora sob a etiqueta de Bloco de Esquerda.
Uma coisa é certa, quando teve que optar, Soares não hesitou: em 1978, preferiu o CDS e, em 1983 (outro ano de fortíssima crise financeira), aliou-se ao PSD.
Nos anos do PREC (trata-se de história e não de fantasmas), o PS de Mário Soares foi essencial para a construção da teoria do arco da governação, tão contestada agora por aqueles que reivindicam um governo socialista de mão dada com a restante esquerda parlamentar.
Dotado de enorme experiência política, António Costa decerto reconhece que um governo minoritário do PS, sustentado no parlamento pelo Bloco e pelo PC, estaria sempre refém desse apoio. Viabilizado o programa de Governo, começariam, na negociação do orçamento de 2016, as enormes dores de cabeça para o chefe do Governo e não haveria modo de combater esta violenta enxaqueca política.
Num tal cenário, das duas, uma: ou o PS se manteria fiel às regras europeias, nomeadamente quanto ao défice, e rapidamente perderia o apoio dos seus novos aliados; ou consentiria em embarcar nas aventuras de inspiração grega (Syriza, 1ª fase) e o país voltaria a cair na maior confusão económico-financeira, acabando por agravar, sobretudo, a situação dos mais pobres – maiores vítimas de todas as crises e também daquela em que o país se encontra desde o início de 2011.
É por estas razões que o secretário-geral da UGT critica a falta de estabilidade de uma tal aliança e que o presidente da CIP já veio classificar essa eventual coligação como contra-natura.
Arriscando fazer um Governo com PC e Bloco, António Costa passaria de líder eleitoralmente debilitado a novo primeiro-ministro politicamente fragilizado. Garantiria a sobrevivência política, mas apenas no curtíssimo prazo.
De resto, as incongruências desta viragem à esquerda deixariam a coligação PSD / CDS numa (o)posição confortável.
No momento em que fosse afastada do Governo depois de ter ganho as legislativas, a coligação começaria a pensar no modo de capitalizar o novo estatuto, sonhando até com outra maioria absoluta em próximas eleições, muito provavelmente antecipadas. Qualquer retrocesso nos progressos já registados na frente económica e social reforçaria as teses de Passos Coelho e Paulo Portas, para não falar da desconfiança que os mercados e os investidores reservam a tudo aquilo que aparenta ser fruto de muito voluntarismo, sem sustentabilidade económica ou social.
Mas, para além da ausência de uma qualquer maioria absoluta, outro facto explica a razão pela qual, uma semana depois das eleições, Portugal continua sem solução de Governo. É que os prazos legais para a homologação dos resultados eleitorais e para a formação do Governo são generosos, característicos de um tempo sem urgências nem crises que não pudessem esperar pelo remanso do calendário doméstico.
Muitos responsáveis políticos nacionais afeiçoaram-se ao anacronismo legal e ao ritmo lento que ele sugere (“slow politics”); e aproveitam-no à exaustão.
Se os prazos fossem outros, as reuniões compassadas dos últimos dias – e que prometem continuar – teriam lugar, no máximo em 48 horas. De facto, as fracturas políticas e ideológicas não são em Portugal maiores do que na generalidade dos países. Antecipadamente percebem-se pontos de clivagem e de convergência. Os eleitores conhecem-nos e os políticos também.
Um calendário mais exigente implicaria decisões rápidas e claras. Haveria menos tempo para manobras de salão e jogos de entreter a opinião pública. Se, por exemplo, com as movimentações dos últimos dias, António Costa está apenas a fazer subir o preço de um apoio parlamentar mitigado a um Governo da coligação, não teria tido espaço para alimentar este teatro. Se o líder do PS quer mesmo fazer uma coligação à esquerda, já teria sido obrigado a admitir que essa é a sua vontade, para a qual estaria assumidamente a trabalhar.
Com um calendário legal mais apertado e tendo sido convidado pelo Presidente da República a encontrar uma solução governativa estável, Passos Coelho estaria também obrigado a apresentar de imediato as bases de entendimento com o PS.
Prazos mais curtos para a formação de Governos obrigariam a uma mudança de cultura dos agentes políticos, designadamente quando não há maiorias absolutas.
Um calendário político longo e distendido confunde eleitores, sobressalta a economia e potencia o disparate, como o de realizar um referendo interno no PS para decidir uma eventual coligação com o Bloco e com o PCP.
Se é preciso referendo, é porque os dirigentes do PS estão convencidos de que foram eleitos com outro objectivo e outro mandato. Podem fazer agora os referendos que quiserem e atrasarem mais ainda a constituição do Governo, mas deviam ter-se lembrado desta alternativa antes do momento em que os portugueses foram votar.
Quanto mais transparentes forem as propostas e as alternativas, mais saudável é a democracia.