27 nov, 2017
O ministro da Saúde garantiu publicamente que a transferência do Infarmed para o Porto era uma decisão política, há muito tempo definida.
A presidente do Infarmed, por seu lado, diz nunca ter discutido o assunto com o ministro, tendo sido apenas informada por telefone. O ministro ter-lhe-á comunicado que em reunião com o primeiro-ministro teria sido tomada uma tal decisão. Decisão ou talvez não: afirma a presidente do Infarmed que o ministro lhe garantiu posteriormente tratar-se apenas de uma intenção.
Também vale a pena sublinhar que o plano estratégico do Infarmed 2018/2019, aprovado em Setembro pelo Ministério da Saúde, nada refere sobre (sequer) a mera possibilidade de transferência do Infarmed para o Porto.
Ainda assim, o primeiro-ministro vem dizer que a transferência do Infarmed era a consequência natural da vinda da Agência Europeia de Medicamento para o Porto. Até podia ser. Mas nesse caso, a candidatura portuguesa não deveria ter apresentado tal mudança em devido tempo aos nossos parceiros europeus, reforçando as vantagens da escolha do Porto para a sede da Agência Europeia de Medicamento?
Resumindo, eis a versão do Governo: A mudança do Infarmed estava prevista há muito tempo. Mas o Governo não discutiu a questão com a direcção do Infarmed, não auscultou os trabalhadores e nunca fez chegar tal informação aos parceiros europeus.
Por isso, de duas uma: ou o Governo foi inábil por não ter valorizado a candidatura do Porto com uma decisão que já tinha tomado; ou o Governo não tinha decido transferir o Infarmed para o Porto, tendo-se limitado, com a inabilidade que actualmente se lhe reconhece, a tirar tal medida da cartola, como uma espécie de compensação, ao jeito das pequenas jogadas que deixam alguns políticos orgulhosos de si mesmos, até ao momento em que percebem que a opinião pública já não cai daí abaixo.
E a cereja em cima do bolo foi colocada criteriosamente pelo ministro da Saúde ao pretender explicar a mudança do Infarmed, como o cumprimento de uma prioridade do Governo – a descentralização.
Sucede que a descentralização não se faz por artes mágicas, numa jogada política de ocasião, decidida numa conversa entre o primeiro-ministro e o ministro da Saúde, num gabinete de São Bento.
A verdadeira descentralização significa uma reforma do Estado. Uma discussão desencadeada pelo Governo, mas aberta a um consenso mobilizador e positivo; adequando o processo de descentralização às características sociais, culturais e económicas das diferentes zonas do país; e valorizando a ligação do interior com o litoral, para que num país tão pequeno as desigualdades territoriais e sociais não sejam tão gritantes.
A região norte do país, por exemplo, dispõe de recursos e valências essenciais para Portugal, tanto no plano económico como político. Portugal nasceu no Norte e a partir do Norte se estruturou, como país independente. A influência política do Norte é uma constante da nossa História. E até na instauração da democracia o Norte foi relevante, ao dar um inestimável contributo para que não se instalasse em Portugal uma ditadura comunista, protagonizada pelo PCP.
Dito isto, o Norte e as outras zonas do país têm que ser tratadas com a dignidade que merecem, mas numa lógica incompatível com a mera distribuição de bombons compensatórios, quando alguma coisa corre mal.
Claro que o primeiro-ministro já veio reconhecer que houve no caso do Infarmed um problema de comunicação.
É pouco. O que houve foi mais um erro político de um Governo que procura cair em graça depois das desgraças de Tancos (lamentavelmente ainda por explicar…), dos incêndios e da gestão do surto de legionella.
Agradar ao norte a qualquer preço é fruto do desnorte político do Governo. Quanto mais cedo admitir o erro da mudança do Infarmed, melhor.