16 jun, 2020
Numa conjuntura em que os mais velhos se veem (ainda) mais vulneráveis, frágeis e isolados, falar de eutanásia parece masoquismo.
Numa época em que se combate arduamente para preservar a vida, descartar é o verbo errado, no tempo e no espaço.
Numa fase em que se procura - de modo exigente - criar condições para que o sistema de saúde não falhe a ninguém, novos ou velhos, insistir na eutanásia é escolher o caminho fácil que a todos derrota, a começar pelos mais débeis.
Nestes meses em que a prioridade tem sido a defesa da vida, legalizar a morte por eutanásia representa a inversão das prioridades e constituiria um passo lamentável - nos planos político, social e humano.
Num quadro em que a pandemia ameaça a economia e a sobrevivência de pessoas, famílias e empresas, falar de eutanásia remete-nos para uma visão cínica e utilitarista do mundo.
Numa altura em que redescobrimos o contributo inestimável e insubstituível de todas as gerações para repensar a vida em sociedade, falar de eutanásia soa a desperdício.
Nestes dias em que um país como a Holanda reforça a aplicabilidade da eutanásia - mesmo para aqueles que depois se arrependem - falar de eutanásia é ofensivo para os mais elementares direitos da pessoa humana - de qualquer pessoa humana, demente ou saudável.
Num tempo em que a extrema direita ressuscita regimes conhecidos pelas práticas que visavam “aliviar” a sociedade de vidas tidas como um peso, falar de eutanásia é dar a mão a ideias sinistras, ainda que de modo superficial, ligeiro ou mesmo inconsciente.
Nestas semanas em que o racismo e a discriminação em razão da cor da pele voltam, tristemente, a ser notícia, falar de eutanásia é abrir portas a uma sociedade que objetivamente agrava a discriminação, neste caso dos mais velhos e/ou dos mais doentes, convidando-os a uma solução que é tudo menos "limpa".
Quando um conjunto de professores de Direito Público vem chamar a atenção para a inconstitucionalidade das propostas sobre a eutanásia em discussão no parlamento, ninguém tem coragem de abdicar e prescindir?
Saber recuar implica grandeza. Mas não é impossível…