10 set, 2021
Jorge Sampaio defendia ideias e projetos, com razão e emoção. E sabia discordar, também ouvindo a razão e percebendo a emoção, daqueles que se lhe opunham. Tinha, entre outros, o mérito de não transformar adversários políticos em inimigos.
Não é preciso ter estado de acordo com tudo o que fez na vida pública para lhe reconhecer coragem e visão. No Estado Novo deu a cara na crise académica de 1962. E depois do 25 de Abril procurou o seu espaço, até chegar ao PS.
Politicamente, surpreendeu em vários momentos. Desde logo, em 1989, quando descobriu em si próprio o candidato à câmara de Lisboa que no PS ninguém queria ser. E fê-lo em coligação com o PCP, por ironia no ano em que viria a cair o muro de Berlim. Havia, nessa altura, quem lhe adivinhasse o fim da carreira política: perderia Lisboa para Marcelo e teria que abandonar a liderança do PS. Mas o que parecia o epílogo foi afinal um recomeço. A partir da conquista de Lisboa, Jorge Sampaio chegaria a Belém, derrotando Cavaco Silva que tinha acabado de entregar a António Guterres, a cadeira de primeiro-ministro.
Já em Belém, surpreendeu ao dar posse ao governo Santana Lopes, debaixo do fogo intenso de altas figuras do PS. Em protesto, Ferro Rodrigues, amigo insuspeito de Sampaio, acabaria mesmo por se demitir da liderança do Partido Socialista.
Teve decisões discutíveis, como todos. Uma das mais discutidas, enquanto Presidente da República, foi a dissolução parlamentar, em pleno governo Santana Lopes. Sem discutir agora a decisão, estou seguro de que a tomou, convencido que era desse modo que melhor servia o país.
Jorge Sampaio fica como figura de referência nalgumas causas humanitárias. Bateu-se pela autodeterminação de Timor-Leste, cruzou o mundo em defesa da aliança das civilizações e criou a plataforma global de ajuda aos estudantes sírios. E nem mesmo em final de vida se esqueceu das jovens afegãs, para quem, na véspera de ser internado, pediu bolsas de estudo e empregos.
Parece ter acabado como há muitos anos começara. Iniciou-se na vida pública com as lutas estudantis portuguesas e concluiu a sua longa intervenção, intercedendo pela sorte das estudantes do Afeganistão.
Guardo de Jorge Sampaio a memória de um político honesto e de um homem afável. Numa entrevista que lhe fiz, enquanto diretor de Informação da Renascença, Sampaio, antes de responder a uma questão jurídico-política, perguntou-me de repente: “É de Direito, não é?”. Surpreendido, limitei-me a confirmar, o que ele próprio já sabia. Mais tarde, uma assessora do Presidente garantia-me que a pergunta fora outra. O Presidente teria perguntado se eu era, não de ‘Direito’, mas de ‘direita’. Acabei por nunca esclarecer o episódio. Teria sido uma dúvida metódica, formulada para ganhar ‘embalagem’ na resposta ou antes a expressão de uma saudável ironia que caracterizava o homem bom, chamado Jorge Sampaio?