Siga-nos no Whatsapp
José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
A+ / A-

Basta uma denúncia anónima?

24 mar, 2023 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


A forma frontal e aberta como o padre Mário Rui Pedras reagiu é de alguém que não teme ser desmentido. E é o modo como seguramente qualquer um de nós reagiria se visse o seu nome injustamente enxovalhado por uma denúncia, sem rosto nem voz.

Ao realizar-se um estudo sobre abusos sexuais praticados no seio da Igreja ou em qualquer outro âmbito, é essencial assegurar a credibilidade das respetivas conclusões.

Só um estudo credível e justo permite reparar as vítimas, na medida do possível. Haja ou não prescrições; haja ou não lugar a procedimentos criminais.

De igual modo, só um estudo credível e justo permite afastar e punir os verdadeiros agressores, sejam eles quem forem, independentemente do que pensam ou daquilo que representam.

Ninguém deve ser envolvido num caso como este, por meros preconceitos ideológicos, culturais ou outros, mas sim pela forte probabilidade da prática de crimes abjetos.

A reação – pública e frontal - de um padre do Patriarcado de Lisboa, ao saber que o seu nome fora incluído no relatório da Comissão Independente, faz-me recear o pior.

Num comunicado aos seus paroquianos, o padre Mário Rui Pedras garante nunca ter praticado, ao longo da sua vida sacerdotal, nada que fosse censurável do ponto vista canónico ou da lei civil, nem sequer no plano da ética comportamental. Daquilo que dele se conhece, não se esperaria outra coisa.

Porém, o mais chocante é a revelação, segundo a qual o seu nome fora incluído no relatório, através de uma única denúncia e, no caso, uma denúncia anónima.

Se uma única denúncia anónima - cuja identidade presumo que a própria Comissão desconheça - é condição suficiente para ser acolhida como válida e assim acusar alguém, então precisamos de saber muito mais sobre os métodos (de estudo?) usados pela Comissão.

Como se valida um único testemunho anónimo sobre uma pessoa e se consegue ter a certeza de que estamos na presença de um forte indício criminal e não perante um qualquer tipo de vingança, perseguição ou delírio?

Numa matéria com esta delicadeza, não é possível manter opacidades sobre métodos, critérios e extrapolações decididas e utilizadas pela Comissão Independente.

Protegendo as vítimas e sem melindrar quem já tanto sofreu, importa que não se produzam novas e pesadas injustiças.

A forma frontal e aberta como o padre Mário Rui Pedras reagiu é de alguém que não teme ser desmentido. E é o modo como seguramente qualquer um de nós reagiria se visse o seu nome injustamente enxovalhado por uma denúncia, sem rosto nem voz.

Percebo e concordo que a Igreja suspenda das suas funções, pessoas cujos nomes figurem na referida lista; partindo do princípio de que lá estão pelos piores motivos, isto é, por indícios consistentes da prática de crimes ou até pelo seu consciente encobrimento.

Porém, não julgava possível que no nosso Estado de Direito, uma Comissão dita independente e de estudo como esta, pudesse alavancar o estigma de um crime, a partir de uma única denúncia anónima, cuja identidade, propósito ou circunstância presumo que ninguém verdadeiramente conheça.

Se tudo isto é assim, nunca tal sucedeu em Portugal. Aconteceu a este padre de Lisboa e julgo que a mais ninguém.

Se é um caso único, é bom também que seja o último.

Se nada disto é assim, a Comissão Independente, em nome da credibilidade do estudo e da verdade, tem a obrigação de dar à opinião pública os esclarecimentos indispensáveis.

Se não os der é mau sinal. A tirania do segredo é o segredo das piores tiranias.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • M.Albuquerque
    15 jun, 2023 Lisboa 21:01
    Apoiado! Denúncias anónimas não podem valer, num assunto tão importante e sensível. Não devem ser divulgadas, sem séria investigação, pois são injustas e sem credibilidade. Agradecemos esses cuidados a quem tem esta obrigação e encargo!
  • Maria José Silva
    29 mar, 2023 Lisboa 16:24
    Aguardo igualmente os esclarecimentos da Comissão Independente. Interrogo-me também sobre a metodologia utilizada. Não vejo o nome do DrLaborinho Lúcio envolvido num trabalho menos sério. Continuo a rezar para que faça Luz, neste e noutros casos de injustiça. É suficiente o horror das verdadeiras vítimas
  • Álvaro Castro
    29 mar, 2023 Lisboa 11:19
    Concordo em absoluto. Há que sujeitar o Relatório Final da Comissão Independente a uma análise séria. A Comissão Independente deveria justificar, entre outas, as seguintes conclusões: A relação entre o número de casos reais e o número de casos potenciais; a aplicação das normas penais vigentes atualmente a todos os casos desde 1950 (neste caso a conclusão da Comissão tem um erro palmar na página 94. É que não se podem equiparar casos prescritos à situação dos casos mencionados no relatório praticados antes da lei vigente, porque só se pode falar em prescrição para actos que tenham sido qualificados como crimes à data da sua prática). O facto de estarmos perante casos graves, não constitui argumento para inibir a análise séria do Relatório Final
  • Humberto Soares
    29 mar, 2023 Pinhal Novo 09:57
    Por mais que se tente validar denuncias anonimas. Por mais que se tente dar razão absoluta ao trabalho da dita CI. os pontos de ??? são muitos. Assim, não posso deixar de subscrever na integra a opinião de José Luís Ramos Pinheiro. Parabéns.
  • António Santos
    27 mar, 2023 Lisboa 10:42
    Se a denúncia "anónima" nada vale, porquê a auto-cessação de funções ??? Estar-se-á a pôr em causa o trabalho da Comissão de Investigação e/ou a idoneidade e isenção dos seus membros ??? Acresce, sem prejuízo da presunção de inocência do arguido, como pode afirmar-se que o "suspeito" está acima de qualquer juízo de desvalor ? Acaso o autor do artigo estará na posse de elementos que conduzam ao, inequivocamente, por ele afirmado ? É que se o estiver deveria, moralmente e "de jure", verter para o processo os elementos que invalidezm em absoluto a suspeita da prática dos actos imputados ao suspeita.
  • Atento
    27 mar, 2023 Leça da Palmeira, Matosinhos 10:03
    Ora finalmente está dito tudo o que é preciso sobre este tema tão delicado ... PARABÉNS AO AUTOR ...
  • J. M. Cabral
    25 mar, 2023 Lisboa 15:38
    Plenamente de acordo. Espero que seja reposta a Verdade, com o devido esclarecimento da Comissão Independente. Também seria útil escutar o que diz o nosso Cardeal