07 mar, 2024
Ninguém ignora que o país pode ficar ingovernável daqui a uns dias.
Sem maiorias claras e compatíveis (não necessariamente absolutas), não haverá governação estável e sólida.
Sem maioria estável e coerente (ainda que relativa), dificilmente se combaterá mais e melhor a pobreza.
E sem maioria estável e coerente (ainda que relativa), o país manter-se-á num patamar anémico de desenvolvimento, em prejuízo das condições de vida de cada português que deseja melhor saúde, educação de qualidade e justiça confiável.
À esquerda, o PS aspira a nova geringonça, vista como um bom cenário para se manter no poder - ainda que Pedro Nuno Santos perdesse as eleições, tal como António Costa perdeu em 2015, contra Passos Coelho.
E os ex-parceiros da geringonça, receando o terramoto eleitoral à esquerda antecipado por algumas sondagens, vivem um dilema existencial – não enjeitam a geringonça, talvez anseiem por ela, mas precisam de chegar vivos à noite de 10 de março, evitando que o voto útil à esquerda se concentre no PS.
Se o PS engordar à custa do voto útil do eleitorado de esquerda, Bloco e PCP tornar-se-ão aliados inúteis, sem peso nem glória.
Mariana Mortágua teve alguns debates eleitorais desastrosos, um deles tristemente marcado pelo modo enganador e lamentável como lançou mão da Avó para fazer valer os seus pontos de vista. Funciona melhor em campanha, sem contraditório nem opositores. Em debates foi o que se viu.
Já Paulo Raimundo (não basta a simpatia) é um erro de casting do PCP. Entre as lideranças clássicas dos comunistas (desde Cunhal a Jerónimo de Sousa) e a nova era de dirigentes (como João Ferreira e outros), Raimundo fica a meio caminho. Sem o carisma dos primeiros nem a modernidade (ainda que aparente) dos segundos, arrisca um resultado desastroso.
Pelo seu lado, Rui Tavares vai procurando amenizar - no estilo e no tom habitual da ‘esquerda caviar’ - a ideologia marxista que o caracteriza. Acena desse modo a um eleitorado jovem, ideologicamente incauto, que deseja protestar pelo país que (não) tem.
Num estilo mais brando e sedutor, sem as fúrias discursivas de Mortágua e de outros partidos de extrema-esquerda, Rui Tavares veste a pele de um cordeiro eleitoral, mas basta ler atentamente o programa, para se perceber o lobo ideológico que ali está.
Quanto a Pedro Nuno Santos procurou uma imagem de Estado que o distanciasse das trapalhadas da TAP que levaram à sua demissão do Governo. Surgiu mesmo como um campeão da defesa das boas contas do Estado, longe do tempo em que o vice-presidente parlamentar do PS ameaçava banqueiros franceses e alemães com o não pagamento da dívida portuguesa, garantido que nessa altura lhes tremeriam as pernas (aos ditos banqueiros).
À direita, a AD procura uma vitória suficientemente ampla para que possa constituir governo, com uma maioria relativa confortável. E o conforto implica vencer com margem razoável de distância para o PS. Se acontecer uma vitória substancial da AD, tal significará também que o Chega não subiu ao patamar que as sondagens começaram por lhe dar.
Para crescer, André Ventura precisa de uma AD fraca. Não lhe bastam os eleitores descontentes do PCP ou do Bloco que em determinadas regiões do país já votaram no Chega em eleições anteriores.
Para se afirmar como um partido de extrema-direita com vocação governativa, Ventura precisa de enfraquecer os partidos que constituem a AD, designadamente o PSD. Por isso, Ventura tem adotado um tom mais moderado, procurando atrair eleitores que não se reconhecem na extrema-direita ou nalgumas propostas demagógicas feitas pelo Chega.
Porém, nos últimos dias de campanha Ventura voltou a extremar o discurso, como forma de inverter a subida da AD que as últimas sondagens têm demonstrado.
O eleitorado do centro que tem oscilado entre PS e PSD, vai definir, mais uma vez, o resultado das eleições do próximo Domingo.
Se os votos do centro se dispersarem por diferentes partidos e não fortalecerem a AD, o Chega de André Ventura tem aí a sua grande oportunidade.
Uma votação robusta no Chega, em torno dos 20%, implica um fraco resultado eleitoral para a AD e abre as portas a uma vitória dos socialistas de Pedro Nuno Santos.
A subida do Chega é, por isso, o resultado que mais interessa ao PS. Quanto mais forte for o resultado do Chega de André Ventura, em detrimento da AD, maior a probabilidade de sucesso do PS.
Pedro Nuno Santos bem sabe que quando ataca ferozmente André Ventura, fazendo dele o inimigo principal, está a contribuir para que muitos eleitores de direita acabem mesmo por votar no Chega, por uma espécie de decisão emocional. Se tal acontecer, o Chega subirá, Montenegro não formará governo e o PS pode aspirar à vitória.
André Ventura e Pedro Nuno Santos são uma espécie de queridos inimigos nestas eleições. No próximo dia 10 de março PS e Chega ganham juntos ou juntos perdem.
Só a concentração do voto útil na AD de Luís Montenegro, evitará simultaneamente a subida do Chega e a vitória do PS. Se, pelo contrário, a votação do eleitorado do centro se dispersar, é provável o fortalecimento do Chega e a quebra da AD, facilitando a vitória socialista.
Luís Montenegro conhece esse perigo. Por isso, excluiu antecipadamente qualquer coligação com André Ventura, (não é não) para tranquilizar e chamar a si o eleitorado do centro.
O líder do PSD tem feito uma campanha em crescendo. As expectativas eram baixas, quanto à capacidade de mobilizar a sua base de apoio e a partir dela alargar o horizonte eleitoral da AD.
Os debates em geral, especialmente com André Ventura, correram-lhe melhor do que se esperava. E em campanha Montenegro tem vindo a somar apoios e a credibilizar a imagem de candidato a primeiro-ministro.
Evolução idêntica teve Rui Rocha, da Iniciativa Liberal. As baixas expectativas iniciais foram ultrapassadas, até mais nos debates do que agora em campanha eleitoral.
Apesar da evolução positiva da AD nas últimas sondagens o vencedor não está garantido e o resultado pode ser mais volátil do que noutras eleições.
A disputa do voto útil é por isso crucial, até ao último minuto, para decidir que governação vamos ter no futuro próximo.
As eleições de 10 de março não servem para avaliar o passado de há dez, quinze ou vinte anos, mas para projetar o futuro.
Nos últimos vinte anos, o PS esteve cerca de quinze no Governo. Querer avaliar agora os governos de Passos Coelho ou Durão Barroso é pura manobra de propaganda. Nesse caso, teríamos, uma vez mais, que discutir o legado dos governos Sócrates. Vale a pena fazê-lo? Talvez não.
O que faz sentido é proceder como em todas as democracias: olhar para a ação do último governo, avaliar resultados e - com as escolhas possíveis - procurar garantir o melhor futuro.
PS As declarações de Paulo Núncio, dirigente do CDS, afirmando que só com novo referendo se poderia alterar a lei do aborto (coisa óbvia e eminentemente democrática), levou muitos dirigentes e comentadores a ‘rasgarem as vestes’. Parece que só a esquerda pode ter convicções e afirmá-las, enquanto outros, podendo tê-las, devem calá-las.