30 dez, 2024
O populismo divide a sociedade em bons e maus, amigos e inimigos. Uns são pessoas de bem, os outros, simples reflexos do mal.
Sendo evidentemente primário, o discurso populista – venha ele da direita ou da esquerda - tem a vantagem de ser óbvio e previsível. Cada caso, cada intervenção, cada tomada de posição é uma oportunidade para exaltar multidões contra elites, sejam elas políticas, económicas, sociais ou outras. Porque as elites são todas metidas num saco único, o chamado sistema. E o sistema, como é bom de ver, é sempre corrupto e, por isso mesmo, inimigo dos interesses do país.
Extrema-direita e extrema-esquerda apresentam, em geral, o mesmo tipo de atuação, apenas com retoques de linguagem. Têm uma agenda bem definida e marcada. E a partir dela constroem uma narrativa circular à volta de cada tema. Exploram-no à exaustão. Lançam sucessivas iniciativas, ocupam o espaço público, insuflam as redes sociais. E algo que era minoritário transforma-se no que parece ser (mas quase nunca é) um clamor social de largo espectro.
A estrutura de pensamento é sempre a mesma: num dado problema, os erros de um implicam todos. Um ramo podre confunde-se com a árvore toda e depois com todas as árvores. O discurso crítico é rejeitado. Surge como retórica do inimigo. Deve ser rejeitado se não puder ser silenciado.
Nesta perspetiva, compreende-se que o discurso populista não morra de amores pelo jornalismo e pela irritante mania de confirmar o que se diz e argumenta. Para os populistas, a verificação dos factos é um pormenor. No limite, os populismos não precisam de factos. Alimentam-se tão só das suas próprias narrativas. E com elas se bastam. E com tais narrativas se devia bastar a sociedade.
Sem o freio da verificação dos factos, que deve ser própria do jornalismo e da qual os jornalistas nunca deviam abdicar, as redes sociais estão infestadas de discursos populistas, extremados, frequentemente insultuosos.
Uma qualquer porção de realidade (normalmente incompleta, fora de contexto e deliberadamente truncada) serve de pretexto para o insulto primário e para a condenação sumária.
O diálogo entre os dois campos extremados nas redes sociais é confrangedor, baixo e medíocre. Figuras que foram públicas, e algumas que ainda o são, deixam cair o verniz, perdem a compostura e disso fazem gala. Inebriadas pelo sucesso fácil (basta o embalo de uma reconfortante mão-cheia de likes) comportam-se como senhores da razão e do mundo. Já para não falar dos corajosos que insultam a seu bel-prazer, cobardemente protegidos pelos perfis falsos que as redes sociais permitem.
Permanentemente ao ataque, extrema-direita e extrema-esquerda visam colocar os inimigos (é assim que ambos veem os adversários) à defesa, sujeitando-os a uma barragem de fogo sem descanso. Para o efeito, diabolizam quem deles discorda.
Para a extrema-direita, por exemplo, a defesa da dignidade dos imigrantes é uma luta sem sentido e mesmo antipatriótica. Baseada numa narrativa do medo, a extrema-direita incita ao ódio, discrimina pessoas e enche o peito para defender soluções musculadas, assumindo-se como salvação da Pátria.
Já a extrema-esquerda considera como uns tristes trogloditas todos aqueles não se reconhecem nem se rendem à agenda woke (e sim, ela existe!). Uma agenda que a extrema-esquerda pretende impor a tudo e a todos e que a pretexto da liberdade de alguns esmaga a liberdade dos pais, das famílias e dos cidadãos que simplesmente defendem abordagens diferentes.
No seu afã de dominar a sociedade e o pensamento, os extremos populistas tocam-se e provocam estragos também ao centro. Ao longo dos anos, o Bloco de Esquerda tem contagiado a agenda do Partido Socialista. Tal como agora o Chega procura contaminar o desempenho do Governo PSD / CDS.
Tímido e inseguro, o centro tem reagido (e não agido) de forma tática, a pensar nas perdas e nos ganhos eleitorais e, sobretudo, quase sempre sem o vigor das convicções e das causas, assumidas e explicadas.
No meio de um vulcão de frustrações, dificuldades e medos, potenciados até pela situação internacional, os populismos fazem o seu caminho, procuram desfazer a esperança e dinamitar todas as pontes de diálogo que permitam soluções fora do contexto primário e limitado em que se movem todos os populistas: um mundo dividido entre índios e cowboys que são, respetivamente, bons ou maus, consoante cada um dos lados da barricada.
Este discurso fácil e de sabor messiânico constitui uma das grandes ameaças às sociedades democráticas.
À entrada de um novo ano, que o Papa Francisco declarou Santo e jubilar, somos chamados a discernir as escolhas que fazemos e as posições que tomamos.
Atrevo-me a um conselho: nunca deixar, sob qualquer pretexto e em nenhuma circunstância, que as arestas da vida acordem ou deixem florescer, em cada um de nós, o populismo que nos pretende dominar - tenha ele a cor, o formato e a roupagem que tiver.
Um feliz 2025.