20 abr, 2016
Pela terceira vez na sua história, o Brasil, o maior país da América Latina, enfrenta um processo de “impeachment” (ou “impedimento”) do seu chefe de Estado. Aconteceu em 1954, tendo Getúlio Vargas conseguido travar o processo no Parlamento, em 1992, quando Fernando Collor de Mello se demitiu antes de o Senado o destituir por corrupção, e agora, em 2016, com a Presidente Dilma Rousseff. Na câmara baixa, em ambiente comicieiro pouco digno, o “sim” ao impedimento de Dilma passou com 367 votos contra 137.
O processo sobe agora ao Senado, cujos membros deverão ratificar a decisão parlamentar. Dilma será então suspensa por seis meses e, concluído o julgamento, acabará com toda a probabilidade com o mandato revogado e declarada inelegível durante oito anos.
O trambolhão da Presidente não revela apenas a triste decadência do outrora todo-poderoso PT, o Partido dos Trabalhadores, que representou, desde a ascensão de Lula da Silva, na década de 1980, o maior projecto de renovação política e promoção social para milhões de brasileiros. Revela, mais importante que tudo, a profunda revolta que assola a sociedade brasileira desde há alguns anos e o profundo impasse em que caiu o sistema político brasileiro, com uma elite transversalmente atravessada pelo cancro incurável da corrupção, do compadrio e do clientelismo. Graças ao PT e não só – os ventos da economia internacional e a boa cotação do petróleo ajudaram bastante durante anos – os brasileiros puderam prosperar: a classe média enriqueceu e muitos dos mais pobres ascenderam a um padrão de vida que lhes semeou justas ambições de maior ascensão social.
Quando Dilma Rousseff chegou ao Palácio do Planalto levava a caução do seu tutor, Lula da Silva, e o Brasil era um caso de sucesso, crescendo a 8% por ano. Hoje tem uma recessão de quase 4% e um défice na casa dos 10%.
A combinação de um Estado investidor-gastador com a crise internacional e a depressão petrolífera deitou tudo a perder – e tudo se perdeu ainda mais com a operação “Lava-Jato”, que expôs, como nunca, a teia de corrupção e de favores financeiros com que o poder no Brasil convive e de que se alimenta. Ironicamente, Dilma nem sequer está acusada na “Lava-jato”; os seus alegados crimes dizem respeito a desorçamentações manipuladoras das contas públicas; e ironicamente, muitos do que se lhe opõem ou conspiram contra ela – como os Presidentes do Senado e do Parlamento e mesmo o seu Vice-Presidente – são réus na “Lava-jato”. Dilma não é a única culpada de deslegitimar a imagem e os processos da política brasileira. Se calhar é até menos culpada do que muitos. A questão também está no próprio sistema presidencialista, que não dispõe de meios menos drásticos do que o “impeachment” para materializar o que em democracia deve ser possível: a retirada da confiança ao executivo. Como o Presidente é o líder do governo, só se derruba o governo derrubando o Presidente.
Talvez o Brasil precise, em alternativa, de um sistema parlamentar ou de eleições já. Mas não se vê quem possa ser o salvador da pátria. Se em 2014, Dilma já quase perdeu para Aécio Neves, hoje qualquer vencedor arrisca ir governar um pântano. Em ano de Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, já nem sequer se sabe quem, representando a bandeira verde e amarela, os deverá oficialmente inaugurar. Para lá dos muros de Brasília, a guerra civil larvar entre “Coxinhas” (a direita e os que têm mais poder de compra), e “Petralhas” (da junção satírica de “petistas”, do PT, e “irmãos Metralha”, os vilões da banda desenhada), veio para ficar. Serão dores de crescimento ou sintomas de uma mais grave desagregação? E neste caso, será que os militares já espreitam?