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José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
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A Catalunha que vamos ter na Europa que temos

04 out, 2017 • Opinião de José Miguel Sardica


Creio que o futuro próximo de Portugal, como pequeno e frágil país que continua a ser, depende mais do que se passa além-fronteiras do que das 308 contabilidades eleitorais locais

No domingo, o que de mais relevante se passou na Península Ibérica não foram as eleições autárquicas em Portugal, mas o referendo pró-independentista na Catalunha. Dizer isto não é uma maneira de fugir à actualidade interna, onde PS e CDS celebram vitórias, enquanto CDU, BE e PSD constatam derrotas.

Simplesmente, creio que o futuro próximo de Portugal, como pequeno e frágil país que continua a ser, depende mais do que se passa além-fronteiras do que das 308 contabilidades eleitorais locais e suas consequências nacionais, ainda muito por definir.

Como português, sou capaz de elencar com igual detalhe e imparcialidade todas as razões que justificam o independentismo catalão e todas as razões que o invalidam. Desde os tempos de Isabel a Católica até à ditadura de Franco, passando depois pela “Transición”, pela Constituição de 1978 e pelas venturas e desventuras dos Estatutos Autonómicos que as regiões da Espanha foram negociando, a relação de Madrid com Barcelona (ou com o País Basco), foi sempre difícil e tumultuosa. Acresce, hoje, que a causa da independência catalã está a ser radicalizada à esquerda, criando um jogo dialético de provocação e resposta (impensada ou mal gerida de parte a parte) com a direita que governa Madrid e toda a Espanha.

Os sinais vinham em crescendo e a partir do passado dia 1 provavelmente atingiu-se um ponto de não retorno. Mas que ponto, ao certo? O problema dos referendos feitos sobre brasas é que são atos emocionais e não refletidos. Nem todos os catalães puderam votar, e muitíssimos dos que o fizeram (alguns mais de uma vez!) votaram por ódio ou despeito contra Rajoy, sem saberem ao certo o que será o dia seguinte à independência. O Brexit foi bem mais ordeiro – porque legal – e veja-se a incógnita de caminho futuro em que está imerso.

Se calhar a Catalunha virá a ser uma república independente, criando um Estado soberano para uma nação que há muito existe. Como português, repito, vejo razões dos dois lados da contenda. Mas julgo que Portugal tem mais a perder do que a ganhar com a independência catalã, sobretudo se a esta se seguir (quando e como?) o recrudescimento do independentismo basco ou galego. Alguns gostam muito de lembrar o “grã-castelhanismo” absorcionista de Madrid sobre Portugal. Ele existiu, de facto; mas já lá vai. E hoje, é muito mais de temer a balcanização da Península do que o seu contrário. Contra o federalismo iberizante de Manuel Azaña ou o militarismo falangista de Serrano Súñer, convinha a Lisboa enfraquecer Madrid. Hoje, não interessa a Portugal deixar de ser um dos dois únicos países da Península para passar a ser apenas mais um dos países (e quantos serão?), deste canto sudoeste da Europa.

Não se trata de egoísmo. É preciso olhar para o quadro mais vasto e reparar noutros factores. Por um lado, o exemplo catalão não deixará de animar outros separatismos – e não são assim tão poucos: a Escócia contra Londres, a Lombardia contra Roma, ou flamengos e valões no interior da Bélgica. Por outro lado, enquanto Macron quer suceder a De Gaulle como o grande “amalgamador” federalista de Estados, sem que ele ou Juncker saibam ou consigam detalhar o que será essa nova Europa forte, das eleições recentes na Alemanha vai sair um governo de coligação heteróclita, liderado por uma Angela Merkel mais fraca e em trajecto descendente. Em suma, nas bases populares vanguardistas abundam forças centrífugas, enquanto no topo parece reinar a dúvida, a fragilidade ou a incerteza. Não: o mundo extraeuropeu, que muitas vezes é antieuropeu, é demasiado perigoso para que possamos, sem alarme, contemplar a potencial fragmentação do velho continente. Não agora e não desta maneira.

Comentários
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  • José Vieira
    05 out, 2017 Lisboa 14:18
    Fala-se, e bem (e não apenas neste artigo) das possíveis consequências, das razões de uma parte e das razões da outra. E onde fica a questão do direito dos povos? Nas razões de uma das partes? Não devia. É algo que deveria ir bem além das partes. Por outro lado, o que tem Portugal (ou qualquer outro país) a ver com o caso que não seja no âmbito do direito dos povos? Trata-se de egoísmo sim. Preocuparmos-nos (no sentido de tomar partido) com o que possa resultar para nós duma escolha que nada tem a ver conosco é egoismo, sim.
  • Pedro
    05 out, 2017 Braga 08:27
    Completamente errado. A instabilidade em Espanha é uma noticia mà, por isso é mais comentada, mas sò é mais importante para os espanhois e para os anti UE. A independencia da catalunha é apoiada por partidos da extrema direita. Apenas se a instabilidade se alastrar em Espanha é uma guerra civil for eminente, a situacão se tornarà relevante para os portugueses.
  • Rui
    05 out, 2017 Oeiras 01:25
    O articulista devia ver e ouvir o vídeo abaixo para sustentar melhor o que escreveu. Percebam a questão Catalã através deste excelente vídeo da Renascença. http://rr.sapo.pt/video/151155/como_e_que_a_catalunha_chegou_ate_aqui
  • Vasco
    04 out, 2017 Olivença 23:46
    Vejo tanta gente agoniado com a possível independência da Catalunha e suas consequências mas não vi assim tantas dúvidas em relação à fragmentação da ex-Jugoslávia com a colaboração da Europa nem tão pouco oiço falar actualmente que algum desses países esteja mais miserável hoje do que antes ou arrependido da decisão tomada, tentar meter medo com o papão da independência catalã só entrará na cabeça de alguns Miguéis de Vasconcelos que por aí existirão.
  • Manuel Fernandes
    04 out, 2017 Barreiro 19:41
    Podem existir só três países na Hespéria ou Hispânia, (e não dois como referido), mas existem muito mais nações. Que não se converteram ainda em Estados pelo suporte que Castela continua a receber das monarquias internacionais, do Vaticano, da UE e da NATO. Como Cidadão, manifesto a minha solidariedade com os catalães e reconheço o seu direito a organizar referendos e decidir o seu futuro. O apoio que nos deram em 1640 para restaurarmos a nossa independência de Castela, devia agora merecer retribuição retribuição.
  • CF
    04 out, 2017 Oeiras 18:56
    Já la dizia uma linha de reverso do nobelizado cantor, então de protesto, “os tempos estão a mudar!” e aqui há anos um político agora comentador, disse a propósito de outro caído mais tarde em desgraça, mas que se pode adaptar ao caso/caos presente: “Habituem-se!” Mas a quê? A tudo! A menos que … recomece o bom/justo senso.
  • José
    04 out, 2017 Parede 18:10
    Não percebo porque o meu comentário anterior aos abaixo reproduzidos não foi publicado ... por não ser "politicamente correcto" e falar em Olivença ???
  • MASQUEGRACINHA
    04 out, 2017 TERRADOMEIO 17:02
    Permita-me discordar de que "o grã-castelhanismo" já lá vá : ao sabor dos tempos, reveste apenas outra forma, a de "grã-santanderização", com a benção de uma UE que gostaria de ver a velha Ibéria unida... financeiramente, sob a grã-proteção de dois ou três bancos gigantescos, espanhóis, evidentemente. Estivemos por um fio, e por um fio continuamos. Na Península não existem "dois únicos países", como escreve, mas três, porque a pequenita e espertalhona Andorra existe, não sei se sabe? É certo que é erro muito disseminado, e bem mostra o que se liga aos países pequenitos, pelo que de balcanizações estamos falados - não há maior balcanização do que a que se passa nas nossas cabeças. Por outro lado, acho que é, no mínimo, bastante relativo que Portugal saísse prejudicado por passar a ser um pequeno país entre pequenos países, em vez de um pequeno país cercado por um gigante. Ainda é bastante comum, até no espaço europeu, pensar-se que Portugal fica em Espanha. Teríamos companhia, o que é um bónus magro, mas consolador. Parece-me ser este um caso em que a divisão do todo, no que toca a Portugal, é capaz de ser melhor, mesmo (ou principalmente) em aspectos económicos, do que a soma das partes. Antevendo-se políticas europeias que terão na demografia dos estados um dos factores principais de maior ou menor poder (olhe-se a bondosa Alemanha, a aumentar a população em milhões em parcos anos...), não vejo o que Portugal perca numa Península, ou numa Europa, mais à sua escala.
  • João V. Branco
    04 out, 2017 Faro 15:48
    O que acho estranho neste "artigo de opinião" é o facto de o seu autor não referir o referendo curdo, também "ilegal" mas com o petróleo e o gás das grandes multinacionais por detrás. Que eu saiba nunca houve uma revolução legal. O povo da Catalunha deve poder decidir pensando ou na "força do momento" e não será nunca, em minha opinião, o neofranquismo espanhol a impedi-lo