04 out, 2017
No domingo, o que de mais relevante se passou na Península Ibérica não foram as eleições autárquicas em Portugal, mas o referendo pró-independentista na Catalunha. Dizer isto não é uma maneira de fugir à actualidade interna, onde PS e CDS celebram vitórias, enquanto CDU, BE e PSD constatam derrotas.
Simplesmente, creio que o futuro próximo de Portugal, como pequeno e frágil país que continua a ser, depende mais do que se passa além-fronteiras do que das 308 contabilidades eleitorais locais e suas consequências nacionais, ainda muito por definir.
Como português, sou capaz de elencar com igual detalhe e imparcialidade todas as razões que justificam o independentismo catalão e todas as razões que o invalidam. Desde os tempos de Isabel a Católica até à ditadura de Franco, passando depois pela “Transición”, pela Constituição de 1978 e pelas venturas e desventuras dos Estatutos Autonómicos que as regiões da Espanha foram negociando, a relação de Madrid com Barcelona (ou com o País Basco), foi sempre difícil e tumultuosa. Acresce, hoje, que a causa da independência catalã está a ser radicalizada à esquerda, criando um jogo dialético de provocação e resposta (impensada ou mal gerida de parte a parte) com a direita que governa Madrid e toda a Espanha.
Os sinais vinham em crescendo e a partir do passado dia 1 provavelmente atingiu-se um ponto de não retorno. Mas que ponto, ao certo? O problema dos referendos feitos sobre brasas é que são atos emocionais e não refletidos. Nem todos os catalães puderam votar, e muitíssimos dos que o fizeram (alguns mais de uma vez!) votaram por ódio ou despeito contra Rajoy, sem saberem ao certo o que será o dia seguinte à independência. O Brexit foi bem mais ordeiro – porque legal – e veja-se a incógnita de caminho futuro em que está imerso.
Se calhar a Catalunha virá a ser uma república independente, criando um Estado soberano para uma nação que há muito existe. Como português, repito, vejo razões dos dois lados da contenda. Mas julgo que Portugal tem mais a perder do que a ganhar com a independência catalã, sobretudo se a esta se seguir (quando e como?) o recrudescimento do independentismo basco ou galego. Alguns gostam muito de lembrar o “grã-castelhanismo” absorcionista de Madrid sobre Portugal. Ele existiu, de facto; mas já lá vai. E hoje, é muito mais de temer a balcanização da Península do que o seu contrário. Contra o federalismo iberizante de Manuel Azaña ou o militarismo falangista de Serrano Súñer, convinha a Lisboa enfraquecer Madrid. Hoje, não interessa a Portugal deixar de ser um dos dois únicos países da Península para passar a ser apenas mais um dos países (e quantos serão?), deste canto sudoeste da Europa.
Não se trata de egoísmo. É preciso olhar para o quadro mais vasto e reparar noutros factores. Por um lado, o exemplo catalão não deixará de animar outros separatismos – e não são assim tão poucos: a Escócia contra Londres, a Lombardia contra Roma, ou flamengos e valões no interior da Bélgica. Por outro lado, enquanto Macron quer suceder a De Gaulle como o grande “amalgamador” federalista de Estados, sem que ele ou Juncker saibam ou consigam detalhar o que será essa nova Europa forte, das eleições recentes na Alemanha vai sair um governo de coligação heteróclita, liderado por uma Angela Merkel mais fraca e em trajecto descendente. Em suma, nas bases populares vanguardistas abundam forças centrífugas, enquanto no topo parece reinar a dúvida, a fragilidade ou a incerteza. Não: o mundo extraeuropeu, que muitas vezes é antieuropeu, é demasiado perigoso para que possamos, sem alarme, contemplar a potencial fragmentação do velho continente. Não agora e não desta maneira.