18 abr, 2018
O alarido provocado em torno do Facebook e da maneira como, pelo acesso indevido a dezenas de milhões de perfis ali postados, empresas e lóbis menos recomendáveis terão manipulado eleições veio expor os malefícios das redes sociais. O assunto é sério, mas temo bem que, matando o mensageiro, os verdadeiros problemas persistam inalterados.
As potencialidades e números do Facebook são impressionantes. Mais de mil milhões de pessoas o usam em todo o mundo (em Portugal, 4,7 milhões, quase 50% da população). Década e meia depois da sua invenção, como álbum virtual de fotos de colegas universitários, tornou-se um “big brother” mundial. O que cada um lá publica, de fotos, textos ou interações com outros, fá-lo confiando que dessa exposição não virá mal ao mundo, nem que essa informação será observada, segmentada, padronizada e manipulada por macro interesses obscuros, para coisas como eleger Trump ou fazer vencer o Brexit. Mas como o Facebook tem custos, ainda é gratuito para os utilizadores, armazena o mais completo retrato compósito da fatia info-incluída da humanidade e é, finalmente, um negócio que vale biliões, é muito ingénuo acreditar que a mais poderosa rede social do mundo é apenas uma plataforma para falar com os amigos, bisbilhotar conhecidos ou “desamigar” gente de que se deixa de gostar. Como se vê, o lado escuro da rede existe e pode ter efeitos muito negativos.
Não tendo página no Facebook, acho divertida a lógica descartesiana do “apareço, logo existo”, que lhe subjaz, por entre fotos, comentários, estados de alma, “likes” e “emojis”. É uma gigantesca feira de vaidades e uma imensa montra de exibicionismos e voyeurismos. A pulsão e o desejo para tal são muito antigos e eternos na espécie humana; Zuckerberg só inventou um novo meio para os realizar. Acreditando que estão a socializar, abertas ao mundo, as pessoas na verdade fecham-se no círculo dos amigos com quem “falam” na rede, arriscando, de caminho, a sua privacidade.
Também o estudo e manipulação de perfis – de consumo de marcas ou de voto político – é muito antiga. A publicidade e a propaganda sempre agiram da mesma maneira e com os mesmos fins dos que os compradores de dados do Facebook perseguem: segmentar públicos e “targuetizar” mensagens que os levem a comprar “x” ou a votar em “y”. O que é novo é a escala a que isto se faz – e de que Zuckerberg tem obviamente culpas (e talvez interesses), bem como a catadupa de “fake news” que cada internauta engole, perante a falência de um jornalismo sério, capaz de um verdadeiro “fact-check”. E depois há ainda a hipocrisia ou a dualidade de muitos: quando serviram para eleger Barack Obama ou para espalhar as Primaveras Árabes, as redes sociais eram excelentes, quase uma nova democracia direta e incorruptível; agora, porque elegeram Trump ou fizeram ganhar o Brexit, são uma Matrix diabólica e alienante.
Não é verdade. As redes sociais não elegem ninguém; são as pessoas que o fazem – e se o fazem em lógica mimética de rebanho, e não de maneira informada, a culpa também é delas, mesmo que haja crime de violação de privacidade na forma como o Facebook vendeu dados dos seus utilizadores.
Como escreveu Paul Starr, historiador dos média, alertando para a míngua do jornalismo de reflexão num mundo hiperinformado (e desinformado) pela vertigem da internet, “as novas tecnologias não nos libertam das nossas velhas responsabilidades”. Perante o Facebook, a principal responsabilidade de cada um é perceber que o exibicionismo e o voyeurismo precisam de ter limites e que, sobretudo, a consciência cívica e a opinião informada ainda são o melhor caminho para não termos de nos queixar dos usos e abusos do invento de Zuckerberg.